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12 de abril de 2016

Da adesão ao Império à tragédia

Por Wagner Medeiros Junior



A adesão do Grão-Pará ao Império do Brasil ocorreu em 15 de agosto de 1823, quase um ano depois de D. Pedro I declarar a independência. Tudo aconteceu muito rápido! Cinco dias antes, desembarcou em terra um oficial brasileiro, sob a escolta de um grupo de fuzileiros navais, procurando o Palácio do Governo. Lá chegando, intimou a junta provisória pela adesão ao Brasil, sob a ameaça de bombardear a cidade de Belém.
Pressionada, a junta provisória se reuniria no dia seguinte com as principais lideranças portuguesas e paraenses. A assembléia dividiu-se em discussões calorosas, mas, por fim, os portugueses foram vencidos. O descontentamento com o radicalismo das Cortes em Portugal foi decisivo para a adesão do Grão-Pará ao Império do Brasil, pois os liberais aspiravam por mais liberdade política e econômica, refutando voltar à condição de colônia.
Após o juramento de fidelidade ao Império aportou em Belém o brigue de guerra Maranhão, de bandeira brasileira, sob o comando do capitão inglês John Pascoe Grenfell. Os portugueses ao perceberem que a “esquadra” brasileira se reduzia a essa única embarcação já não possuíam forças para esboçar qualquer reação. A frota lusa fora toda apreendida e as tropas em terra desagregadas com a prisão do comandante João Pereira Vilaça e de diversos oficiais fiéis a Portugal.
O primeiro governo provisório da província foi de curta duração. Os defensores da união com o Brasil agora clamavam por um governo sem a presença dos portugueses, mesmo daqueles que assentiram fidelidade a D. Pedro I. Então, pela força, os lusitanos foram destituídos e o cônego Batista Campos elevado ao comando do governo. Batista Campos era a principal liderança liberal paraense. Antes de aderir em primeira hora a união com o Brasil, lutara em favor da independência do Grão-Pará e da fundação de uma nova República.
A desordem, entretanto, já estava instalada e a cidade de Belém ardia em chamas. Grupos de populares, chamados de patriotas, juntaram-se às tropas rebeladas e invadiam e saqueavam as casas e os comércios dos portugueses, clamando pela deportação de todos. Então, para conter a desordem o jovem capitão Grenfell manda executar cinco patriotas e prender Batista Campos, depois de acusá-lo de liderar a baderna e amarrá-lo à boca de um canhão. Batista Campos teve a vida poupada pela pressão popular, mas foi mandado como prisioneiro para o Rio de Janeiro.
Toda essa agitação resultaria na prisão de 256 indivíduos e em uma tragédia, que pela historiografia brasileira passaria a ser nominada “A tragédia do brigue Palhaço”.
Pela manhã do dia 21 de outubro os presos foram levados a bordo do brigue Palhaço, sob o comando do tenente Joaquim Lúcio de Araújo, e colocados em um pequeno porão, com intuito de humilhá-los. Amontoados e fatigados pelo intenso calor e pela falta de ar os prisioneiros exasperados começaram a entrar em desespero clamando por água. A disputa pela água suja do rio que lhes eram jogadas provocou um verdadeiro pânico e os mais fracos foram sendo pisoteados na luta pelo espaço, não obstante aos corpos colados.
Então, para conter o mau cheiro que aspergia junto a gritaria e a aflição, o tenente Araújo mandou que borrifassem cal virgem sobre os prisioneiros. No dia seguinte pela manhã, junto ao silêncio jazia um emaranhado de corpos, “com sinais de que tinham expirado na mais longa e penosa agonia”, conforme dizer de Laurentino Gomes. Apenas o preso de nome João Tapuia havia sobrevivido à tragédia!
O comandante Grenfell foi responsabilizado pela tragédia que enterneceu o Grão-Pará, mas acabou por absolvido depois de escapar da ordem de prisão. Os paraenses, entretanto, não esqueceriam o trauma da adesão e em anos mais tarde levantariam as armas contra Império no mais sangrento conflito ocorrido após a independência: A Cabanagem. 

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5 comentários:

  1. Muito boa história, Wagner. Essa crueldade institucionalizada sempre impregnou as histórias humanas nas guerras e conquistas. Na sua opinião, a civilização melhorou em relação aos direitos humanos ou as atrocidades ganharam refinamentos que vão além da tortura corporal?

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Caríssimo amigo, Sua pergunta não me deixa alternativa que não seja uma única opção de responta. Então, como as atrocidades cotidianamente, e em pleno século XXI, ainda habitam as principais páginas dos meios de comunicação em todo o mundo, não obstante ao "refinamento que vão além da tortura", da forma como você muito bem diz, pela própria evolução do modo de dominação, creio que independente do estágio de desenvolvimento social e econômico, a intolerância, em seus diversos aspectos, ainda é um forte obstáculo à melhoria dos direitos humanos.Outro ponto importante é que não se pode falar em direitos humanos sem considerar a questão da justiça social, que continua a ser um dos maiores problemas de nossa civilização. Sua arguição dá para pensar na elaboração de um verdadeiro ensaio como resposta, dado a profundidade das questões que você aborda.

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  3. Mais uma vez, muito bom Wagner Medeiros. Conhecia alguma coisa da inclusão da província do Grão-Pará, sabia do Almirante inglês (tivemos alguns almirantes britânicos atuando a soldo em nossas águas), mas desconhecia a terrível passagem. A História é fascinante, imprescindível para formar o cidadão. Que ela possa ser ensinada pura, honestamente, verdadeira, sem ideologias e desvios. Parabéns pelo que ensina. Carlos Rosa.

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    1. Obrigado, caríssimo Carlos Rosa, tanto pelo comentário como pelo estímulo à escrita de novos artigos. Abraço!

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