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18 de abril de 2016

As palavras


A eternidade e o desejo: Inês Pedrosa


Na amabilidade das palavras oculto o rumor de desolação que me treme na garganta - mas a cegueira conduziu-me a esse dom que eu não queria, de ver as vozes à transparência das palavras. Não tenho como me distrair: sou inteiramente vulnerável à brutalidade das vozes, aos sentimentos incontrolados que circulam nelas. mordendo como piranhas. Centro-me no sentido específico de cada palavra, tento anular a voz que ouço, transformá-la numa cortina de fundo — mas a palavra dança e decompõe-se,quebra-se em estilhaços de vidro que voam dentro do meu corpo-ouvido,ferindo-o, primeiro, e abrindo-o em chaga, depois, porque dentro do ouvido do que é o meu corpo agita-se uma corrida de criança atraída pelo brilho das coisas perigosas. Palavras estilhaçadas. Despalavradas. Os substantivos abstractos, nenhum sobrevive ao impacto. Amor. Teríamos que inventar uma palavra para cada espécie de amor e para cada amante e para cada instante da experiência física ou metafísica dessa exaltação sem fórmula. Amor, diz-me a vendedora de bugigangas na rua, e quer dizer compra-me qualquer coisa. Ou quer dizer tenho fome. Ou quer dizer ajuda-me. Ou deixa-me em paz. E eu agora sei sempre o que quer dizer— e sei que quase sempre não quer dizer nada. As palavras já nãome protegem, estão todas em cacos.





alarve: que ou quem é rústico, abrutado, grosseiro, ignorante.

"Escondidas no silêncio da biblioteca, mascaradas pela escura monotonia das capas, todas as palavras estavam lá, esperando que eu as decifrasse. Eu sonhava me enfurnar  naqueles corredores poeirentos
e nunca mais voltar".Simone de Beauvoir.



"Lutar com palavras é a luta mais vã. Entanto lutamos mal rompe a manhã. São muitas, eu pouco. Algumas, tão fortes como o javali. Não me julgo louco. Se o fosse, teria poder de encantá-las. Mas lúcido e frio, apareço e tento apanhar algumas para meu sustento num dia de vida. Deixam-se enlaçar, tontas à carícia e súbito fogem e não há ameaça e nem há sevícia que as traga de novo ao centro da praça. 

Carlos Drummond de Andrade, in 'Poesia Completa'





"A palavra cotidiana, ao mergulhar nas águas da poesia, recupera-se, renova-se. E os leitores de poesia renovam-se com a palavra. Para deixar a palavra em forma, a poesia transforma, altera sentidos, reforça a sonoridade, brinca. Se os dicionários preservam os significados coletivos dos vocábulos, a poesia trabalha com o que há de único  e insubstituível em cada palavra. A palavra sai do reino dos catálogos e, na magia poética, refaz sua música".




Literatura & Educação - Gabriel Perissé

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