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17 de junho de 2022

Clube da 7 - Judas: Amós Oz (por Roberto Pedretti)




"Judas', nesta reta final, me parece um daqueles livros com cujo argumento o autor vinha se revirando há muito tempo, parece ter pensado e repensado várias vezes o passo que daria para contar essa história. Como nunca lhe ocorria o jeito certo, ele foi ao longo dos anos produzindo todos os outros romances do seu catálogo. O dia chegou em que ele teve que dizer "não adianta! vou ter que arquitetar tudo da melhor forma e contar isso aqui!", e assim fez, sem aquele lampejo do que se poderia esperar "inspiração"; mas fez com a disciplina que um grande autor aprende a ter para contar sua história: capítulos curtos, a narrativa bem equilibrada com a elucubração, personagens descritos com precisão e sem exageros.

Concordo com Rita De Cassia Magnago nos seus comentários ao livro há algumas semanas: "Judas" é sobre entendimento, sobre conciliar o inconciliável, seja o catolicismo com o cristianismo, seja o creacionismo com o darwinismo, seja Israel sendo vista de dentro com Israel sendo vista de fora; ou a conciliação entre um velho um pouco cínico e desiludido e um jovem idealista e curioso a respeito do evangelho. Às vezes dá a impressão de que estamos assistindo a um acerto de contas entre o jovem e velho Amos Oz. Talvez "Judas" seja o tipo de livro que só pode surgir na velhice de um escritor.

Eu tenho uma grande amiga israelense, que veio para o Brasil aos 12 anos, e que posteriormente passou a adolescência convivendo, basicamente, nos meios judaicos de São Paulo. Quando fomos assistir juntos ao filme "A Paixão de Cristo", de Mel Gibson, no cinema, achei maximamente interessante que ela estivesse assistindo ao filme com real e vívido interesse narrativo, porque apesar de extremamente culta e cosmopolita, ela realmente não sabia o que ia acontecer. Ela tinha alguma noção de pedaços de história cristã aqui e ali, mas ela realmente não sabia bem como se dava toda essa coisa de martírio e ressurreição da qual tanto se mencionava.

Sendo cristãos de nascimento, e tendo como espelhos culturais bem firmes os Estados Unidos e a Europa Ocidental, é muito comum que nos pareça estranho pensar sobre uma cultura eticamente tão parecida com a nossa, mas na qual Jesus não é mais que uma nota de rodapé aqui e ali (conforme Amós Oz começa ressaltando no capítulo 9). O que os personagens de "Judas" estão fazendo, ao referirem-se a Cristo com tanta frequência é, por si só, um ato de tolerância. Será um apelo do autor?


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