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29 de agosto de 2015

Uma crônica sem rumo certo: Aquiles de Andrade


Estou com a cabeça tão desnorteada que não tenho mais vontade de escrever. Mas, como num círculo vicioso, não escrever me tira a vontade de ter vontade, que por sua vez, me afasta mais ainda de escrever. Por essa razão forço a barra, não quero ficar sem vontade de nada. Quando nada, preciso fazer alguma coisa pra passar o tempo, ou distrair meu cérebro. Pensando assim, peguei este laptop e comecei a escrever. Antes eu submeter meus pensamentos à minha vontade do que deixar que eles submetam a minha vontade, com maus pensamentos.
Quando falo que tenho tido maus pensamentos, as pessoas com quem converso, principalmente os filhos logo perguntam:  “Pai, que maus pensamentos são esses?”. Minha resposta invariavelmente é que nem eu mesmo sei dizer o que são, apenas posso dizer o que eles não são. Não são pensamentos concatenados, não se referem a tragédias, não se relacionam a pessoas. E como sempre acontece, na verdade, como sempre aconteceu desde que me entendo por gente, ponho-me a imaginar possibilidades, querendo encontrar alguma resposta científica, mesmo sem ser cientista ou sem fazer nenhum experimento científico concreto.
Reúno meu arcabouço imaginativo e, da mesma forma que faço quando leio alguma receita de remédio, lá vai o “doutor cientista” Aquiles emitir seus juízos acadêmicos. Imagino que o fato possa ser alguma anomalia no correto funcionamento dos meus neurônios, talvez já cansados de tanto trabalhar, que ficam se recusando a fazer a tarefa que devem fazer. Até consigo ser compassivo com eles, coitados, já trabalhando ininterruptamente há tantos anos.
Mesmo atordoado como costumo ficar, penso que não se trata exatamente de medos, que normalmente é o que os filhos devem estar imaginando quando insistem comigo para explicar o inexplicável dos pensamentos ruins. Sou plenamente consciente das limitações da pessoa idosa, no meu caso cerca de 84 anos. Ainda faço algumas caminhadas pelas ruas da cidade, prática que está ficando cada vez mais difícil devido às enormes varizes que tenho nas pernas.
Mas as varizes são apenas os mais aparentes dos problemas. Tenho outros distúrbios de circulação das veias e vasos, desde os pés até um pouco acima do joelho. A visão já deixa um pouco a desejar, a audição tem lá seus problemas, os órgãos internos costumam produzir sinais estranhos, os intestinos às vezes me pregam peças. Tomo remédio pra pressão, pra colesterol, pra varizes etc. Recentemente fiz uma lista de horários e pendurei no local mais visível para não esquecer de nenhum.
Mas o que tem me incomodado muito ultimamente, além de mucos intestinais são os lapsos de memória. Quando falo isso com algum dos filhos, logo vêm eles querendo minimizar o problema dizendo:  “ih... Pai!!“ eu também tenho isso”. Não duvido que eles também possam ter, mas, independente de qualquer coisa, este é o problema que incomoda. Estar falando com alguém e de repente faltar a palavra, esquecer os nomes das pessoas, levantar-se da cadeira para fazer alguma coisa e de repente se esquecer o que ia fazer, abrir a porta do apartamento para sair e comprar alguma coisa e de repente se esquecer o que ia comprar. Isso sem falar nos sobressaltos frequentes, levando as mãos nos bolsos da calça e perguntando “onde deixei meus documentos? onde deixei as chaves? que dia da semana é hoje? e do mês?  Esqueci de desligar o fogão? será que a água secou?”. Não têm fim os sobressaltos.

Recentemente comentando sobre essas coisas com um dos filhos ele disse: mas você não se esquece de lembrar que está sem memória. Donde se conclui que mesmo a ausência de algo sentido, tem a presença do conhecimento da ausência. Ou, como diz o Eclesiastes “para tudo há um tempo, para cada coisa há um momento debaixo dos céus”. A minha falta de memória e os incômodos mucos intestinais, fazem parte do tempo que Deus me concede para aprender as coisas, é um filtro automático que ele me oferece pra aliviar os cansadinhos dos meus neurônios a não ter com que se preocupar.


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