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26 de julho de 2015

Clube da 7 - Mar inquieto: Yukio Mishima

Mishima e a estranheza: Roberto Pedretti


Yukio Mishima, aparte a grandeza de sua literatura, é uma figura complexa o bastante para nos interessar simplesmente a partir de sua biografia: nascido numa família extremamente conservadora, que desestimulou-o o quanto foi possível a seguir a carreira literária, Mishima acabou por tornar-se o paradigma do conservadorismo japonês. Na contramão dos movimentos literários japoneses no pós guerra, defendeu ardorosamente o retorno aos valores fundamentais da cultura japonesa sob o domínio samurai, rejeitando virulentamente a influência nefasta dos modismos europeus e estadunidenses. Hábil na arte milenar do kendo (a espada samurai), conhecedor e estudioso de táticas militares e seguidor de um rígido programa de boa forma física, Mishima era a antítese do que um escritor de ficção deveria ser aos olhos do mundo - boêmio, libertário e volátil. Tanta disciplina e idealismo, provavelmente, tiraram de suas mãos, em 1968, o prêmio Nobel de Literatura que, conta-se, estava "encomendado" para ele por mais que justas motivações literárias, e que acabou destinado ao seu amigo e mentor Yasunari Kawabata, seu amigo e mentor, este muito menos ideológico em seu discurso. 


Em 1970, Mishima e um grupo de jovens seguidores que ele treinou pessoalmente como uma milícia paramilitar, os Tatenokai (algo como "sociedade do escudo") invadiram uma base militar em Tóquio. Lá, depois de fazer alguns reféns e dirigir um discurso inflamado aos soldados, que o repudiaram, praticou o harakiri, penetrando seu próprio ventre com sua espada, no que foi seguido pelos demais tatenokai (não sem que antes um deles o degolasse, como parte do ritual, conforme o código samurai). 

Ele mesmo homossexual, Mishima retratou com crueza relações amorosas entre seus personagens masculinos, além de nunca ter se esquivado de abordar a complicada relação entre o desejo e o "amor espiritual". Sua literatura acabou por ser o alarme de uma profunda meditação a respeito do conflito interno de seu país e dos japoneses individualmente entre as demandas criadas com a invasão ocidental subsequente ao fim da II Guerra e a preservação de um orgulho imemorial que lutava para ter onde se alicerçar. 

Que Mishima não seja um modelo pessoal, ao menos para mim, em nenhuma das formas pelas quais conduziu sua vida, não diminui em nada a grandeza de seu texto. Talvez seja justamente sua visão profundamente pessimista e obcecada pelo passado que o tenha tornado tão fascinante - e também o escritor japonês mais conhecido fora do Japão, seguido apenas, de uma certa distância, por Haruki Murakami.

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