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20 de outubro de 2014

Da prata e o couro às charqueadas

Por Wagner Medeiros Junior


O lucrativo comércio estabelecido pelos portugueses na bacia do rio da Prata durante a União Ibérica (1580-1640) despertou na Coroa Lusa o desejo de consolidar uma posição estratégica naquela região. Por ali escoava a prata de Potosí, que tornara Buenos Aires um porto atraente e local de intenso comércio. Daí a presença de holandeses, ingleses e portugueses, que em busca da prata exploravam o contrabando, burlando o exclusivismo comercial da Espanha.
O entreposto do comércio português no Prata localizava-se na Capitania Real do Rio de Janeiro. Para atender aos interesses dos comerciantes locais e da Coroa, o Infante D. Pedro, rei de Portugal, determinou a D. Manuel Lobo, governador daquela Capitania Real, que construísse uma fortificação à margem esquerda do rio da Prata, em frente à cidade de Buenos Aires. D. Manuel Lobo alcança aquele estuário em janeiro de 1680, quando inicia a construção de um forte e do povoamento que viria a chamar-se Colônia do Santíssimo Sacramento.
A partir de então começaria um longo período de disputas militares e arranjos diplomáticos em defesa daquela posição e das fronteiras meridionais lusas com a colônia espanhola. A Espanha defendia a linha imaginária de Tordesilhas, enquanto Portugal não se dispunha a aceitá-la. Por isto, a Coroa portuguesa procurava sustentar a sua presença desde a Vila de Santo Antônio dos Anjos de Laguna – Atual Laguna (SC) – até a Colônia do Sacramento, no atual Uruguai.
Há então um grande afluxo de comerciantes e militares oriundos do Rio de Janeiro e de São Vicente, para reforçar a defesa ou retomar dos espanhóis a Colônia do Sacramento. É durante essas jornadas que em incursões à bacia do rio Uruguai os militares e comerciantes portugueses constatam a abundância de gado à solta, desde a banda oriental ao atual estado do Rio Grande do Sul.
O gado descoberto havia sido abandonado pelos jesuítas, depois que suas reduções foram arrasadas pelos paulistas na preia do índio guarani catequisado, para escravizá-los. À deriva, o gado se reproduzira, tornando-se bravio e formando imensos rebanhos, que vieram a chamar-se por “Vacaria Del Mar”.
A Vacaria Del Mar logo passou a ser disputada por espanhóis, portugueses e índios das reduções dos jesuítas. Do gado era retirado o couro e o sebo, para exportação em larga escala para Europa. Uma atividade extremamente predatória. Conforme nos conta Caio Prado Junior, em “Formação do Brasil Contemporâneo”, a carne era desprezada, pois não havia quem a consumisse; a parca população local e o pequeno mercado catarinense não davam conta dos imensos rebanhos.
Entretanto, com a descoberta do ouro nas Minas Gerais e a decadência da pecuária nordestina, esse gado passou a ser levado em pé para o abate na região mineradora. E com o aumento da demanda do consumo de carne, ainda na primeira metade do século XVIII, mesmo à solta o gado passa a ser engordado em invernadas. Surgem assim as primeiras estâncias, com as sesmarias concedidas pela Coroa a militares e tropeiros bem sucedidos, que passam a ocupar definitivamente a terra. A atividade da pecuária começa a ser organizada.
Em 1779 é iniciada a construção da primeira charqueada, na localidade que viria a chamar-se Freguesia de São Francisco de Paula, atual Pelotas (RS). Na charqueada o gado era abatido e a carne salgada, depois exportada para ser consumida pela população pobre e escravos. A atividade expande-se rapidamente, a ponto de transformar a cidade de Pelotas em um centro rico e próspero, de grande importância social e cultural.
No ano de 1807 o atual Rio Grande do Sul é elevado à condição de Capitania-Geral, com o nome de São Pedro do Rio Grande do Sul. Nessa época a Capitania contava com mais de 550 estâncias e uma população de aproximadamente 30 mil habitantes, dos quais cerca de um terço era de escravos - a energia motora das Charqueadas.

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2 comentários:

  1. Excelente Wagner! De Potosi eu só conhecia as lamentações dos nossos clubes de futebol por jogarem na altitude de 4000 m; ela é uma das cidades mais alta do mundo. Acho interessante saber da presença frequente dos ingleses em nossa região mas que isto não tenha resultado em nenhuma colonização, à exceção da fatídica Faulkland. Bem, eles se fixaram também ali na Guiana. Curioso, agora me dou conta, um posto avançado próximo à Antártica e outro próximo à Amazonia, como se estivessem esperando o momento certo dessas áreas desempenharem um papel vital na vida do planeta. Esses ingleses são uns estrategistas!

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  2. Caríssimo Evandro, A acumulação de capital efetivada pelos ingleses nas colonias portuguesas e espanholas, através do comércio, foi enorme. Aqui, durante o período de permanência da família real (1808 a 1821), as mercadorias inglesas tiveram taxações menores do que as da própria metrópole. Nessa época a Grã-Bretanha tinha pleno domínio dos mares e do comercio mundial, razão pela qual tornou-se a maior potência do período. Você está corretíssimo, quando diz que os "ingleses são uns estrategistas". Creio também que sempre foram extremamente "sabidos" (ou exímios oportunistas), em suas relações com os países dependentes de capital e bens e serviços. Não é de admirar que os americanos tenham o sangue dos ingleses, não é mesmo?

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