Hawkwood: Extreme Love |
Fragmentos de "Memórias"
Nessa tarde
especial, um cheiro conhecido despertou-lhe. Sobressaltado, olhou ao seu redor
e buscou-a, tateando o tecido da poltrona, como se ela estivesse ali viva,
sorridente. Mas foi se dando conta de que apenas aquele aroma permanecia:
tentou reconhecê-lo. Ah! Era um chá com folhas da caneleira que a empregada há anos
lhe trazia sempre naquela mesma hora, no mesmo local, hábito comum entre os
dois...
... Lembrou-se dos
tempos de exílio, onde nos momentos em que os pássaros entoavam seus cantos,
sentia a extrema angústia, pela distância dos que lhe eram queridos. Mas ela o
acompanhara e juntos se abraçavam para suprir esse vazio.
Ambos estiveram
exilados em outro país: tempos difíceis que viviam.
Lutaram e
acreditaram ser possível a realização de um ideal, o desejo de uma sociedade
mais justa. Participaram de movimentos de reforma agrária e tantos outros e
foram perseguidos. Conseguiram se asilar e depois se exilaram, mas com grande
dor.
O sofrimento do
exílio os entristecia: a casa, o jardim, os livros dispersos em tantas
prateleiras, o desamparo... deles e de seus elos. Já não eram tão jovens, e
chegavam àquele momento cruel da perda da esperança em realizar os ideais.
Talvez essa tenha sido a maior tortura pela qual passaram...
Bruno Balegas de Sousa |
... Já cansados e
envelhecidos, retornaram ao país e à casa que sempre amaram. Retorno entremeado
de novas buscas, de reconstrução de suas vidas. Refizeram a casa e a si mesmos...
... Numa manhã, ela
acordou com fortes dores. Precisou acordá-lo, embora nunca o incomodasse. Como
ex-guerrilheira era difícil mostrar-se frágil. Mesmo frente às torturas e
interrogatórios manteve-se resistente. Há tempos sentia alguns enjoos,
vertigens, fortes dores, mas não quis preocupá-lo. Recordava-se desses
sofrimentos e atribuía às suas consequências, já que era comum àqueles que a
sofreram. Agora, precisava dele, de seus cuidados e de seu abraço
tranquilizador. Ele prontamente procurou medicações que pudessem aliviá-la. Mas
no decorrer da manhã, seu estado foi piorando e, muito resignada, aceitou ir ao
hospital. Sentia que piorava e angustiava-se por vê-lo assustado. Seu amor por
ele era maior do que as dores que sentia. Ela nunca mais retornou... ( o Conto continua no livro do CLIc, onde se pode ler na íntegra esta bela e emocionante história da Ceci)
Ceci Lohmann é psicóloga pela UFRJ com formação psicanalítica na Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de
Janeiro, atuando em consultório.
"A curiosidade em conhecer o Clube
me acompanhava há muito tempo: finalmente foi possível este contato, por volta
de 2005.
A leitura do livro Memória de minhas putas tristes parece ter sido um convite ao
momento que eu vivia: eu havia perdido meu marido,que era bem mais velho do que
eu e uma pessoa muito vibrante, tal como o personagem de García Márquez. Assim, personagem e pessoa se multiplicaram na minha mente e a emoção
foi profunda. A acolhida do grupo frente àquele momento foi ímpar. A partir daí
veio minha paixão em pertencer e participar de um grupo de tal porte."
Estou emocionada em ver o conto aqui no blog.
ResponderExcluirBela história Ceci. É você que nos emociona! Parabéns.
ResponderExcluirBela história Ceci. É você que nos emociona! Parabéns.
ResponderExcluirCeci, em seu conto vc passa emoção e luta, desejo de justiça, amor, sofrimento, beleza, os antagonismos que formam e forjam um animal racional em um ser humano na plena concepção da palavra. Sentimentos complexos que vc nos ajuda a desvendar através de sua mente bela e estimulante. Parabéns!
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