Novaes/
Terminei a leitura de “1889”, de Laurentino Gomes. Se “1808”, do mesmo autor, me encantou pelas revelações espantosas sobre as inacreditáveis condições de uma viagem Portugal-Brasil naquela época, e se “1822” (o que mais gostei da série), mudou inteiramente meu modo de ver D. Pedro I e o próprio Brasil, este “1889”, além da interessante história da fundação da República, me trouxe como aperitivo várias citações a escritores. Durante todo o século 19, eles estiveram em alta num mundo sem TV, sem rádio, sem cinema, onde a energia elétrica apenas engatinhava. E, dessa forma, foram atores importantes no cenário político e social.
O primeiro
e saboroso aperitivo une duas figuras históricas que jamais havia imaginado
juntos. Geralmente, quando pensamos nas personalidades do passado, não nos
detemos nem um segundo sobre quem foi contemporâneo de quem. E, mesmo que
prestemos atenção nisso por um instante, há pessoas que não ligamos de jeito
nenhum umas às outras. Como se fossem de mundos diferentes, mesmo sendo
contemporâneos. É o caso de D. Pedro II, nosso monarca dos trópicos, e o
escritor francês Victor Hugo, autor do clássico Les Misérables. Pois “1889” me revelou que houve um
encontro, bem curioso, entre os dois. Vejam este trecho:
“Nas suas
viagens ao exterior, dom Pedro II foi colecionando uma impressionante galeria
de celebridades internacionais do meio artístico, científico e intelectual, com
as quais se correspondeu até o fim da vida. (...) Um exemplo da devoção e do
respeito que dedicava aos intelectuais e às ideias do século XIX foi seu
encontro com Victor Hugo, em 1877, em Paris. Aos 75 anos, autor de algumas das
obras mais importantes da literatura universal, como o romance Os miseráveis, Victor Hugo era a maior celebridade
da França na época. Havia se convertido também em ativista político radical,
senador da esquerda republicana, e detestava os regimes monárquicos. Ele e dom
Pedro II estavam, portanto, em lados opostos do espectro político.
Aparentemente, nenhum dos dois teria nada a ganhar com um encontro que pudesse
ser divulgado publicamente. Para os monarquistas, soaria como uma concessão
desnecessária aos ideais republicanos, que a essa altura já tinham um número
considerável de adeptos no Brasil. Para os republicanos, franceses e
brasileiros, também soaria mal a reunião de um dos seus maiores expoentes
mundiais com um velho monarca (...).
“Dom Pedro
ignorou todas as ponderações e decidiu, por conta própria, procurar Victor
Hugo, a quem admirava profundamente. Por intermédio da embaixada brasileira,
mandou perguntar se o escritor concordaria em visitá-lo no hotel em que estava
hospedado em Paris. A resposta veio seca e dura: ‘Victor Hugo não vai à casa de
ninguém...’ Depois de mais duas tentativas e duas recusas, dom Pedro decidiu ir
pessoalmente, e sozinho, ao apartamento do escritor, situado no quarto andar de
um prédio da rue de Clichy, 21, no centro da capital francesa. Sem aviso
prévio, bateu à sua porta na manhã de 22 de maio. A surpresa desarmou o grande
escritor, que não só concordou em receber o ilustre visitante como se tornou
amigo e admirador dele pelo resto da vida.” (págs 137 e 138)
Como Victor
Hugo, Laurentino Gomes mostra ainda o envolvimento e as opiniões de escritores
como o abolicionista e fundador da ABL, Joaquim Nabuco, o português Eça de
Queirós (que praguejou contra a República no Brasil) e cita um trecho delicioso
do romance Esaú e Jacó, de
Machado de Assis. Nesse trecho, Machado conta o “drama” de um comerciante que,
no dia 14 de novembro, foi dormir depois de ter mandado confeccionar a placa
com o nome bem grande e visível do seu novo estabelecimento – Confeitaria
do Império – e acorda no dia 15 vivendo sob uma República... O humor de
Machado é o toque do gênio. Mostra perfeitamente o quanto a população estava
alheia ao que se passava no mundo político e militar naquele Brasil de 1889.
"1889" é um livro sobre a História. E os escritores estão presentes.
A história assim contada fica muito mais interessante e estimulante. É como uma ficção real, uma mágica suspensa. São sempre os homens por trás dos atos e fatos e como fazem a diferença. Muito boa postagem Novaes/.
ResponderExcluirÓtima postagem, meu caro /. Os livros do Laurentino Gomes são uma delícia, e também o são os livros do também jornalista Eduardo Bueno, o Peninha. Tratam da nossa História de forma interessante e inovadora.
ResponderExcluirCarlos Rosa.
Legal a participação dos leitores do CLIc trazendo textos complementares às leituras do 'livro do mês' para enriquecer nosso convívio literário com informações sobre temas diversos. Também a história tem bastante de ficção e vice-versa. Valeu novaes/!
ResponderExcluirReaprendendo História aqui no Clic. Adoro! Muito bom.
ResponderExcluir