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26 de maio de 2013

Da série temática Sonhos que não sonhamos (8)

Meus sonhos, através do sonho dos outros 

(by Rosemary Timpone)


Decidido, amanhã o dia é meu.  Comprei o jornal de papel de amanhã para adiantar meu sonho, nunca sonhei poder ter acesso às notícias do dia seguinte na véspera.

De cara, tem Angeline e Brad Pitt que virão ao Brasil e todos estão na expectativa do que eles podem pedir.  Descobri recentemente que Brad pegou um avião para ir "ali" na Alsácia comprar sua geléia favorita.  Como eu gostaria de conhecer Metz, viajar no século dos Templários, conhecer os castelos e passar pela encruzilhada da Europa, fazer a rota do vinho e agora, com certeza comer geléia.

Pulei a parte da confusão do Bolsa Família, que ganhou este nome em 2003, dado pelo Lula, que permanece no poder há mais de 10 anos e a gente chega à conclusão que os 10 anos do Bolsa Família mais os anos anteriores dos planos que tinha, nomes diferentes, a longo prazo, acho que podemos falar que isso é longo prazo, não tirou as famílias da extrema pobreza porque todos ficaram loucos em pensar que o programa ía acabar.   Essa é a única Bolsa que dá dinheiro.

Uma checada no Boa Chance, mas nada para mim, nunca sonhei que depois de tantos anos de trabalho eu estaria tão despreparada para o mercado atual.  Aí me lamento, porque não fui costureira, professora, trapezista que eram minhas aptidões iniciais, mas sem nenhum planejamento entrei no mercado de trabalho como podia e agora me reinvento.


Seguindo com amenidades descubro que o filho do homem mais rico do Brasil nunca leu um livro, e não me refiro ao filho que não nasceu não.  Fiquei chocada, penalizada e achei ele o rapaz mais pobre do mundo.  Por conta de não ter lido nenhum livro se submeteu a uma dieta onde ele só comeu galinha e arroz sem tempero, mais espanto, porque só galinha? Colocando agora na minha lista de intenção de sonhos, se tiver que emagrecer assim prefiro morrer tomando muito sorvete Magnum, comendo muitos queijos e toda sorte de bobagem.

Nas páginas seguintes me deparo com a mania das mulheres que é a barriga negativa.  Para atingi-la, além de passar fome, porque ninguém quer comer frango, é necessário muito exercício que só tem tempo mesmo para tanta dedicação a "executiva" e a funcionária pública e que postam suas fotos na internet.  A minha barriga negativa, no sentido de não valer nada de só deixar a dever está em forma.  Posso tentar postar as fotos do meu abdômen negativo, quem sabe?

Levanto os olhos rapidamente e vejo a mocinha da novela desfilar em um longo de musselina de seda por um local popular e sentar na escada no meio da rua.  Será que algum dia vou incluir isso em algum sonho?

25 de maio de 2013

Estranho João do Rio


(por: W. B.)

Alguns biógrafos registram seu nome como João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Barreto; outros omitem "Emílio" e "dos Santos". Em que pese o fato de figurar João Paulo Alberto Coelho Barreto nos contratos assinados a partir de 1905, a pessoa em questão é até hoje conhecida apenas como João do Rio (pseudônimo mais comum desse controvertido repórter, cronista, crítico, teatrólogo, contista – autor carioca por excelência).

Nasceu na Rua do Hospício (atual Buenos Aires, Centro) em 5 de agosto daquele 1881, ano que vira o futuro escritor Lima Barreto vir à luz em maio.

Filho de Alfredo Coelho Barreto – gaúcho, professor de Matemática, republicano e positivista extremado – e de d. Florência (bela negra cerca de 10 anos mais jovem que o marido), o menino não foi batizado na Igreja Católica Romana, mas registrado no apostolado positivista contrariando costumes vigentes no Rio de Janeiro, a que mais tarde ele chamaria "Frívola City".

Iniciou vida jornalística com 18 anos no diário "Cidade do Rio", flanou por diversos jornais antes de pousar, 1903, na "Gazeta de Notícias", onde adotou o codinome João do Rio. Permaneceu lá mais de uma década. Suas famosas reportagens dinamizaram o jornalismo da época, então repleto de arcaísmos estéreis e grandes maçadas.

Quase todos atestam colaboração imensa de Paulo Barreto para a Comunicação Social. Depois dele, a imprensa teria mesmo outra fisionomia.

Infelizmente, muito menos gente repara que – além da relevância jornalística – João tem importantes obras propriamente artísticas, literárias.

É impossível não se impressionar com o escritor em "Histórias da Gente Alegre", coletânea de textos de João do Rio, seleção, introdução e notas feitas por João Carlos Rodrigues, publicada pela livraria José Olympio Editora em 1981. Foi uma rara, senão única, lembrança do centenário natalício de Paulo Barreto. O livro tem como subtítulo "Contos, Crônicas e Reportagens da ‘Belle Époque’ Carioca", mas não dá para separar o que ali dentro é trabalho cronístico, conto ou reportagem. João do Rio esgarçou limites entre esses gêneros, tornando-os quase indistinguíveis. Líquido e certo é que ali há texto denso, forte – um soco nos cornos.

Imagino alguém me perguntando: "E soco nos cornos é bom?" Camaradas, a verdadeira arte não é feita para nos acarinhar, mas para sacudir a gente. Quando li "Dentro da Noite", oitavo texto do volume, cheguei a sentir náuseas, porém não consegui largá-lo; ouso dizer que esse conto é comparável aos melhores de Edgard Allan Poe ao abordar perversidades humanas.

Ainda em "Histórias da Gente Alegre", encontramos os ótimos "O Bebê de Tarlatana Rosa", "A Aventura de Rozendo Moura", "A peste"... Há também a reportagem "A Fome Negra" – corajosa denúncia social sobre péssimas condições de vida do trabalhador. Qual jornalista hoje dá oportunidade para populares falarem, opinarem sobre desemprego, jornada de trabalho abusiva, repressão patronal?

Se é tão bom assim, por que João do Rio é pouco editado agora? Não sei. Seus livros sempre venderam à beça. Mais ou menos em 2006, a Companhia das Letras relançou "A Alma Encantadora das Ruas", que esgotou rápido; saiu novamente em 2008 pela coleção Companhia de Bolso, mas essas são exceções... Será que editoras têm preconceito com João do Rio por ele ter sido homossexual, mulato, afetado, obeso e com fortes preocupações sociais? Não duvido.

Quem quiser conhecer também o ambiente literário da época em que viveu esse autor – falecido num táxi nas proximidades da Rua Bento Lisboa, Catete, em 1921 – também apreciará "O Momento Literário", reunião de entrevistas feitas por João com vários escritores. Entre eles há Curvelo de Mendonça, Olavo Bilac, Fábio Luz, Elísio de Carvalho... O livro foi lançado pela Editora Fundação Biblioteca Nacional (Coleção Raul Pompéia) em 1994 na Frívola City – Cidade Maravilhosa para alguns.

(JOÃO DO RIO AINDA NÃO FOI DEBATIDO NO CLUBE DE LEITURA ICARAÍ)

Da série temática Sonhos que não sonhamos (7)





24 de maio de 2013

Da série temática Sonhos que não sonhamos (6)

Sonho que não sonhei
by Novaes/

Não sonhei a vida. Ela me veio
assustadora, definitiva,
isolando-me bem no meio
desta selva viva.

Assustam-me as feras,
os uivos, a escuridão:
devoram quimeras,
erguem solidão.

Não sonhei a vida e, sabei,
não sonhei afetos nem desafetos.
Nem mesmo os sonhos eu sonhei!
(nem os pesadelos, nem os prediletos).

Não sonhei o amor, tampouco o ódio;
não desejei o prazer, nem o asco.
Nascer é real – sonhar é ópio?
Sonhar é arriscar-se ao fiasco.

Não sonhei a vida. Ela me foi imposta.
E, mesmo depois de nascer,
entre choro, mamadas e bosta,
se tive, foram sonhos de bebê.


Mais tarde, criança,
sonhos eram limitados
a alguma esperança
de doces e bons-bocados.

Um dia, universitário,
sonhei com um mundo melhor.
Foi sonho solidário
e antigo, desde os tempos de minha avó.

Todo o povo unido
pelo fim da iniquidade,
slogans de tempos idos,
liberdade, igualdade, fraternidade.

Depois, mais maduro,
tive que cuidar da vida
em seu aspecto prático, duro,
dinheiro para a comida.

Comi arroz com ovo, quando tinha.
Vivi de biscates que, na classe média, chamamos “frila”.
E sonhava com uma fada madrinha...
que me arranjasse umas 100 “pilas”!

Sonhei com os livros que li.
Com as músicas que escutei.
Amei tudo o que apreendi
nas entrelinhas que saboreei.

Quando criança admirava a folha em branco
mesmo sem ter ideia do que nela fazer.
Talvez fosse o sonho se chegando,
sem forma ainda para aparecer.

Já desenhei, já escrevi, já transformei
a folha em branco em sonhos reais.
Até algum dinheiro eu ganhei,
aportando meus navios aqui, nesse cais.

Não sonhei viver, mas aconteceu.
A vida é um sonho não sonhado.
Um sonho lindo que, a quem me deu,
eu devo dizer “muito obrigado!”

Neste sonho não sonhado
há dores, fins e recomeços.
Mesmo assim é o sonho mais festejado
e louvo até os meus tropeços.

Se não sonhasse, eu não viveria!
E se não vivesse, mesmo sem olhos eu choraria.

Viver é, feliz e convicto,
arrebentar-se.
Sonhar é um irrestrito

amar-se.


23 de maio de 2013

Da série temática Sonhos que não sonhamos (5, parte 1)


Sonho que se sonha junto...
(by Antonio Rodrigues)


"Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade."
(J. Lennon)


Ontem um menino que brincava me falou
Hoje é a semente do amanhã
Para não ter medo que este tempo vai passar
Não se desespere, nem pare de sonhar
Nunca se entregue, nasça sempre com as manhãs
Deixe a luz do sol brilhar no céu do seu olhar
Fé na vida, fé no homem, fé no que virá
Nós podemos tudo, nós podemos mais
Vamos lá fazer o que será
(Nunca pare de sonhar - Música de Gonzaguinha )




Eu
era um meninote quando a década de 90 amanheceu sob o céu cinzento da poeira levantada pela queda do Muro de Berlim. Nem podia compreender ainda a razão pela qual os profetas do Liberalismo saíram pelo mundo a proclamar o fim da história, como o fez Francis Fukuyama,  filósofo e cientista político norte-americano, em seu livro “O fim da história e o último homem”, no qual retomava velha tese hegeliana para proclamar a vitória do Capitalismo Liberal sobre o Socialismo Marxista. Aqui, o fim da história significa tão somente que os processos históricos caracterizados por mudanças e transformações acabaram. A história finalmente alcançou seu equilíbrio. Mas será mesmo que chegamos ao fim da história? Será o fim das utopias? O que será da esperança de se construírem sociedades mais humanas? Ficam aí as perguntas como provocação e estimulo ao espírito pensante que nos habita a todos. 
A mim interessa apenas partir desse contexto para propor uma tese. A historiografia contemporânea não tem dúvidas de que os eventos históricos do final dos anos 80 e início dos 90 desencadearam uma grave crise ideológica ainda não assimilada.  Defendo que também uma grave crise dos sonhos se instaurou na década de 90 e ainda permanece ativa e cada vez mais séria em nossos dias. Não se trata de uma crise dos sonhos individuais. Estes são cada vez mais abundantes e variados, embora muitos deles possam ser questionáveis. A crise a que me refiro diz respeito aos sonhos coletivos. Por opção pessoal, prefiro chamar os sonhos coletivos de sonhos-utopia.  Um sonho-utopia é aquele sonho capaz de nos impulsionar para frente e para o alto, e de nos salvar do atoleiro comum da mesmice e do pessimismo maledicente. O sonho-utopia é essencialmente coletivo porque diferente do sonho individual, que se encerra no sonhador, o sonho-utopia encontra sua concreção nos eventos coletivos, eventualmente históricos, e por isso mesmo carrega em si a energia transformadora da realidade e talvez do mundo. São estes sonhos cada vez mais raros. São estes os sonhos que não estamos sonhando. Proponho refletirmos sobre isto. 
E para impulsionar nossa reflexão, cito como exemplo de sonho-utopia o sonho de Martin Luther King, que no dia 28 de agosto de 1963, nos degraus do Lincoln Memorial em Washington, D.C., proferiu aquele que seria considerado por muitos como o melhor e mais importante discurso americano do século XX. "Eu Tenho um Sonho" (em inglês: I Have a Dream) é o nome popular dado ao histórico discurso de L. King no qual falava da necessidade de união e coexistência harmoniosa entre negros e brancos, construindo assim uma verdadeira democracia racial. O discurso fez parte da Marcha de Washington por Empregos e Liberdade e foi um momento decisivo na história do Movimento Americano pelos Direitos Civis. Mais de duzentas mil pessoas sonharam juntas com L. King naquele dia. Segundo o historiador brasileiro Voltaire Schilling, “O dr. King fizera um dos mais belos salmos políticos da língua inglesa.” E completa:  “Mataram-no a tiros uns anos depois, em Memphis, em 4 de abril de 1968. Como estará o sonho do dr. King?”

Continua... 

19 de maio de 2013

Da série temática Sonhos que não sonhamos (4)



(by Ilnéa Miranda)


Sonhambulando ... cheia de reticências...


Dos sonhos que não sonhamos

fazemos realidade...

vivemos vida, e inventamos

uns outros... p'ra ser saudade


O que faço sonhos meus?

Aqueles que não sonhei...

será que roubo dos teus...

ou de histórias que inventei?



*****

Trovando versos... eu sonho... 


Esse tema é um devaneio 

que acorda de alma lavada
que me acalanta o que anseio
muito gostoso... obrigada (Rita)


*****


Para Evandro... e o sonho que não vivemos.


A vida, como inventamos,

sonhando por conta dela

são sonhos que não sonhamos
em suaves tons de aquarela.




Num desenho aquarelado 
uma árvore alta e esguia 
um cavalo, quase alado,
balança-se à revelia.

Balança-se descuidado,
aos cuidados da criança,
que inda não vê revelado
um futuro de esperança.

Voar... quem sabe é a meta,
dos sonhos de cada um
que sonha a verdade inquieta
mas não lembra sonho algum?

Sugestões de Leitura (BEL-CLIc nº 001 de 17/05/2013)


Para comentar uma ou mais das sugestões de leituras abaixo, clique no campo Comentários.

Maria Marlie: Cacau, de Jorge Amado

"Acho que o Clube deveria ler Jorge Amado. Ano passado comemoramos o centenário dele e é um escritor maravilhoso, regional mas ao mesmo tempo universal. Jorge tinha apartamento em Paris, era uma baiano europeu, foi inclusive cogitado para ser prêmio Nobel, pela projeção da sua obra. Ele teve três fases distintas. Do início, com grande influência do comunismo, época em que ele fazia viagens à Rússia, destaco Cacau e São Jorge dos Ilheús, para mim muito interessantes porque são fortemente críticos, mais elitizados, não muito conhecidos do grande público, e a boa literatura não fica antiga. Na fase intermediária temos Tocaia Grande, Velhos Marinheiros (contos). Depois veio a fase mais famosa, de Gabriela, por exemplo. Eu li todos, li também A tenda dos milagres, Capitães de Areia, a obra dele é muito importante. Creio que devemos nos voltar para as nossas figuras. Deve ser lido pelo Clube ao menos uma vez."


Gracinda Rosa: Os Catadores de Conchas, de Rosamunde Pilcher

“Há muitos livros que são importantes para mim, mas não sei se outros teriam o mesmo chamamento pela leitura. Alguns deles, estando esgotados, seriam de difícil indicação. Lembrei-me de um livro mais atual e que, segundo pesquisa que fiz no blog, nunca foi lido no Clube. Trata-se de Os Catadores de Conchas, de Rosamunde Pilcher. É da Editora Bertrand Brasil e o meu exemplar é de sua 26ª edição. O susto é que ele tem 632 páginas que, para mim, no entanto, foram maravilhosas de ler. Creio que ela é irlandesa. Vive, atualmente, na Escócia. "Reconhecida internacionalmente como uma das melhores escritoras de histórias de amor da atualidade. Já publicou diversos livros de contos e romances." (da orelha do livro).  Ela cria personagens convincentes, escolhe cenários muito bem descritos, e vai contando uma história que prende nossa atenção do começo ao fim. Não sei se o grupo também gostaria de ler esse livro.” 
Para ler mais sobre o livro, clique aqui


Antonio Rodrigues: O passado, de Alan Pauls

"Há um escritor argentino que tenho vontade de ler faz tempo. Trata-se de Alan Pauls. Se o CLIc ainda não o leu, sugiro "O Passado", caso já tenha lido este, sugiro "A  história do pranto". A curiosidade em ler Alan Pauls nasceu do sucesso obtido com "O Passado", que foi adaptado (e muito criticado) para o cinema pelo brasileiro Hector Babenco. Outra coisa que contribui com esse meu desejo em ler A. Pauls é a sempre elogiada escrita do argentino, que já é saudado por muitos como um dos maiores escritores latino-americanos da atualidade."
Para ler mais sobre o livro, clique aqui


Rose Pinto: Os Maias, de Eça de Queiroz

"Os Maias, de Eça de Queiroz, é um clássico e acho que está na hora de revisitarmos os clássicos.  É o livro mais famoso do autor, que contempla a trajetória da família Maia durante três gerações e, aparentemente, traçando um paralelo com o momento político e social de Portugal. Trata das hipocrisias da sociedade portuguesa na ocasião (publicado em 1888). Nunca li nada importante dele.  Só alguns contos, dos quais gostei. Pode ser que o grupo já tenha lido num passado longínquo.”
Para ler mais sobre o livro, clique aqui


Elenir Teixeira: Lendo Lolita em Teerã, de Azar Nafisi

"Torno a indicar "Lendo Lolita em Teerã", de Azar Nafisi, da Best Bolso. Trata-se de "Memórias de uma resistência literária", como consta da complementação ao título. Envio uma pequena resenha: "A autora iraniana nos conduz à intimidade da vida de oito mulheres que precisam encontrar-se secretamente para explorar a literatura ocidental proibida no seu país. Elas liam em conjunto Orgulho e Preconceito, Madame Bovary, Lolita e outras obras clássicas. Sua narrativa remonta aos primeiros dias da revolução islâmica liderada pelo aiatolá Khomeini. Obra de grande paixão e beleza poética que nos ajuda a entender os sangrentos conflitos do Irã com o vizinho Iraque, e a tirania do regime islâmico." 
Para ler mais sobre o livro, clique aqui


Fátima Namen: A ilha do dia antes, de Umberto Eco

"A ILHA DO DIA ANTES - Livro para quem quer mergulhar na ficção, com história, geografia, poesia. Excelente para quem gosta de cartas de amor.
Um primor para quem quer conhecer a lenta e traumática iniciação ao mundo setencentista da nova ciência, da razão, da guerra dos Trinta Anos.
Paixões insatisfeitas, duelos, assédios e tramas de espionagem."
Para ler mais sobre o livro, clique aqui

16 de maio de 2013

Da série temática Sonhos que não sonhamos (3)



VEJO
(by Ceci Lohmann)

VEJO-a de longe, estava sentada num café, mostrava-se distante e alheia ao seu entorno. Sua aparência franzina era a mesma; sempre fora muito magra, o que dava a sensação de ser frágil. Mas, apesar disso,  tentava superar os obstáculos da sua vida, que não foi fácil. Quando a conheci, terminara a faculdade com muito sacrifício. Vou me aproximando, o pouco brilho no olhar, o sorriso contido, destoavam dos traços daquela moça jovem, alegre e sonhadora que conheci.


Primeiro o abraço forte, saudoso, encontro do passado. Depois, nos sentamos, e pedimos ao garçom um chá. Noto-a mais calada: a fala é lenta, com um tom de desesperança. Há tantas coisas a contar, fomos muito próximas, mas depois nos afastamos, seguindo nossos rumos, nossos sonhos. Algo deve ter ocorrido para estar agora tão diferente.

Desde criança tivera um sonho, o de reencontrar seu pai. Dele, apenas guardara leves lembranças remotas especialmente quando foi visitá-lo por ocasião de uma doença. Eram momentos de grande alvoroço já que alguns parentes não aceitavam sua presença. A pobre menina ficava no meio das discussões. O pai queria levá-la para seu convívio,  criá-la em melhores condições, mas a família materna, muito pobre e limitada, não aceitava e ainda o tratavam mal. Em sua memória, fatos como esses eram doloridos. Sofria, pois amava os pais, e não compreendia porque não lhe era permitida essa aproximação. Seu pai nunca fez objeção alguma ao seu convívio com a mãe.

Ela nascera num local distante da cidade do pai. A mãe era de uma posição social mais humilde, tivera um rápido relacionamento amoroso e, ao perceber a gravidez, mudou-se sem nada comunicá-lo. Suas irmãs a trouxeram para outro estado. Já trazia no nascimento a marca da falta, da ausência, que tentara mais tarde reparar. Mesmo em outros momentos, com exceção daquele em que ficara gravemente doente e seu pai foi comunicado e veio socorrê-la apesar dos conflitos, ficara impedida de ter qualquer contato com ele e toda família paterna. Foram poucos encontros e sua imagem nublada impedia de visualizá-lo mais nitidamente. O pai soubera de seu nascimento e havia tentado romper estas barreiras em vários momentos. Ela era ainda muito pequena e só lhe restavam sombras nas recordações desses fatos. Para atenuar seu sofrimento, tentou esquecê-lo, esvaziar da memória seu amor por ele. Eram artifícios que nem sempre conseguia manter.

Cresceu e, já adulta, fez muitas amizades, resplandecia alegria. Mas mantinha o sonho de um dia resgatá-lo e de preencher este vazio doloroso, sentimentos que  ela vivia ocultamente, evitando causar mágoas à sua mãe. Nunca aceitou essa atitude da mãe de excluí-lo. Ao mesmo tempo se sentia devedora dos cuidados que ela lhe dedicara. Esse desejo lhe acompanhava fortalecendo-a em seus propósitos.

Numa tarde outonal, a mãe, já debilitada, quis falar-lhe do passado. Sentia remorsos pelo fato de tê-la impedido de uma aproximação com o pai, buscando morar em locais que ele desconhecesse, dificultando esse encontro. Confessa-lhe que temia perdê-la - ela mesma havia sido deixada pela mãe a quem nunca mais viu e foi criada por parentes -, por isso precisava estar como filha perto para substituir seu  próprio abandono.

Preocupada, resolveu revelar tudo que sabia sobre ele, a cidade onde morava, sua profissão, vida pessoal...era casado, tinha filhos (portanto seus irmãos), possuía uma ótima condição social. Pede-lhe perdão pelo mal que lhe causara e implora que fosse procurá-lo.

Confusa e emocionada, percebe que agora poderia viver seu sonho, preencher este anonimato que tanto a afligia. Sabia que seria bem recebida. Mas, fica conflituada por já não saber sobre seu desejo, teme lidar com frustrações que possam ocorrer nesse reencontro.

Procura uma amiga muito fiel que se propõe a acompanhá-la. Elas planejam uma forma de, inicialmente, realizar esse contato sem o pai perceber. Usariam um artifício já que trabalhavam num ramo semelhante ao de seu pai, e iriam se apresentar como interessadas em conhecer sua empresa com o intuito de buscar trabalho e moradia. Era uma cidade que precisava de profissionais especializados e o curriculum de ambas permitia isso.

Ela está lá, frente a um homem bem velho, cabelos brancos, pele morena como a sua, olhar cansado. Ela teme chorar copiosamente e revelar seu segredo. Defrontam-se silenciosamente pai e filha. Treme e teme desmaiar. Ele, andando vagarosamente com o auxílio de uma bengala, mostra-se sorridente e as recebe de forma acolhedora. Afinal, vinham de tão longe... Como ela, também era franzino. Era realmente seu pai, este pai que só existira em seus sonhos.

Ficam juntos algum tempo, conversam, ele oferece-lhes um cafezinho e tenta manter uma conversa amena. Elas ainda iam ficar alguns dias e ele as convida para ir à sua casa jantar e conhecer sua família - naquela cidade havia esse  hábito, era uma maneira de acolher os estranhos.

No auge deste momento ela alega não se sentir bem e se recolhe ao seu hotel. Ele, preocupado, deseja ajudá-la. Mas ela recua e despede-se. Retorna ao hotel, tropeçando pelas calçadas. No interior do seu quarto, desaba na cama, e chora copiosamente, como jamais fizera.Transbordam todos os sentimentos que lhe foram negados e reprimidos todos esses anos. Queria gritar, dizer-lhe que era sua filha, mas preferiu fugir. No dia seguinte, envia-lhe um bilhete de agradecimento e desaparece num ônibus qualquer rumo à sua cidade. Prefere desistir e retornar ao conforto de uma situação já conhecida, do que suportar o sofrimento e o momento da revelação; já não seria possível negar a falta, ocultar o ressentimento, enfrentar o abismo dessa realidade, um pai que já não era mais seu, não mais aquele com quem sonhara. A tristeza e o escuro da dor psíquica vão num crescendo anunciando a agonia da desilusão.

Nunca mais foi a mesma; o rosto sorridente e esperançoso transformara-se numa face inerte, olhar sem  crenças; restava-lhe a dor de não mais sonhar, não mais viver, apenas caminhar.

Soubera que o pai logo depois adoecera e morrera e ela jamais se perdoou.

Agora, quando a reencontro, contando-me sua estória, penso nos anos que se passaram, na sua tristeza, no sonho não vivido, na inutilidade das coisas. Sonhos que se perderam, como sua vida.




13 de maio de 2013

Da série temática Sonhos que não sonhamos (2)

Momento: sonhar
(by Rita Magnago)


Sonhos que não sonhamos
existem sim
latentes
pungentes
fugindo da gente
fingindo que a gente
não pode sonhar

sonhos não precisam de permissão
sonhos simplesmente são
vão na contramão
mesmo
que seja
e o seu sonho
pode ser só seu


um meu
não confesso
ele é ateu
foge dos moldes
é bandido
pervertido
louco, muito louco
é profeta
tem a cara do desejo
a idade do renascer

outro solta minha vontade
em bocas que voam
espalhando as vozes
de quem não vem

letras são asas
pousando sobre um sabiá
(um voo em outro voo)
parada eu saio do lugar
inerte, visito o mundo
do lado de lá
caetano as notas
bailo nos espaços
perfumo o arco-íris
bebo toda a beleza
da companhia


suspiro
agora é hora de acordar.