Gueto fazendo alongamento
Douglas,
um dos sócios da academia, brincando com Gueto, disse-lhe que eu teria
sido um excelente trapezista, nos idos da minha juventude. Então, no
mesmo tom de brincadeira, respondi-lhe que sim, acrescentando que havia
sido o primeiro trapezista no mundo a saltar de óculos, em resposta à
pergunta de Gueto, que se mostrara curioso e interessado, esperando a
confirmação.
Lógico
que “o primeiro trapezista de óculos” era para mostrá-lo que tudo não
passava de brincadeira. Porém, de vez em quando, Gueto chegava perto de
mim, falando: - É seu Wagner, o senhor o primeiro trapezista de
óculos... Até que um dia, vendo que ele estava levando a coisa muito a
sério, para fazê-lo entender a brincadeira, emendei: - Também fui o
primeiro motoqueiro no mundo a andar no globo da morte de óculos.
Só
que mais uma vez, porque me mostrei sério, ele não entendeu a
brincadeira. Então, passou a comentar com os amigos da faculdade do
aluno de óculos que corria sete quilômetros em quarenta minutos; que
tinha sido trapezista; que andava no globo da morte...
Por
coincidência, a namorada de Gueto, Roberta, estudava com minha filha
Fernanda em um cursinho preparatório. Ambos foram apresentados em uma
festa pela Roberta. Gueto não perdeu tempo: - Fernanda, eu tenho uma
admiração enorme por seu pai! O primeiro trapezista... O primeiro...
Gueto fez que todos caíssem na risada.
Recentemente,
com a ida de Dr. Luiz Daniel - nosso brilhante cirurgião cardíaco, que
me deu um colorido novo com uma cirurgia há alguns anos – para a
academia, Gueto perguntou-me se realmente ele operava recém-natos.
Veio-me, então, a ideia de testá-lo, para ver se realmente estava
esperto, haja vista que durante os alongamentos, Gueto sempre dizia que
não cairia mais em uma nova história.
Expliquei
que Dr. Daniel operava crianças com até um quilo, descrevendo-lhe os
microvasos e artérias, o uso do microscópio e as dificuldades
cirúrgicas. Disse-lhe, também, que Dr. Daniel era um craque em
transplante, o que até aqui é pura verdade. Completei o relato
explicando-lhe que o treinamento era feito em pequenos ratinhos, no
laboratório; que transplantava o coração de um no outro, e vice e versa;
que necessitava de bomba extracorpórea, etc.
Ele
ficou simplesmente fascinado. Não teve jeito! Um dos ratinhos, para não
decepcioná-lo, ganhou vida: o remédio para evitar a rejeição,
ministrado em doses de décimos de miligramas; os cuidados meticulosos de
enfermagem; as plataformas de exercícios; a alimentação balanceada... O
outro havia morrido no décimo quarto dia.
A
cada dia eu era obrigado a dar notícias do sobrevivente: melhorou...
piorou... Falava-lhe dos cuidados da equipe, dos detalhes do laboratório
e da assepsia. Até que o ratinho acabou morrendo no septuagésimo sétimo
dia, por falta de não ter mais nada que acrescentar. O lado bom foi que
o ratinho bateu o recorde de sobrevivência.
Gueto,
então, tristonho, perguntou ao Dr. Daniel sobre a morte do ratinho, que
lhe informou sobre a suspeição de ter faltado água para sua
sobrevivência durante o feriado prolongado de sete de setembro,
atribuindo a culpa ao descuido de seus tratadores.
Creio
que Gueto deve ter ficado decepcionado, quando Dr. Odilon, cirurgião da
equipe, contou-lhe que o causo era apenas uma brincadeira. Assim,
acabamos perdendo a oportunidade de dizer-lhe que o ratinho tinha
ressuscitado.
e-mail: wagnermedeirosjr@gmail.com
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Divertida crônica, Wagner. As pessoas inocentes costumam render boas estórias mas um dia despertam e aí... prepare-se para as estórias delas, rsrsrs.
ResponderExcluirEsse delicioso texto mostra por que a realidade é uma baita ficção! Parabéns Wagner pela diversidade de temas!
ResponderExcluirTadinho de Gueto, talvez sua inocência seja um misto de sagacidade inconsciente diante de uma vida real desengonçada.
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