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24 de setembro de 2013

Ah, você numa tarde em Itapuã...: Carlos Rosa Moreira


Itapuã Beach by Anna Brazão

           O calção de banho não era velho, foi presente seu, mas a conversa dos coqueiros era macia, lembra? Acho que não lembra, não é chegada a essas recordações, pensa que isso é nostalgia. Não é não, boba, sinto dor não, nem saudade; sinto felicidade por ter visto você naquela praia longa e deserta, numa tarde perdida de nossas vidas. Você caminhava pela areia seca e às vezes deixava as águas tépidas do mar de Itapuã molharem seus pés. Eu vigiava você com seu biquíni azul-marinho à procura de búzios na areia. Os mesmos búzios com os quais os babalorixás consultam seus deuses e que também enfeitavam seu biquíni. Todo homem deveria apreciar a amada vindo de longe, imersa em distrações, sem se perceber observada. Mas tem de ser a mulher amada, aquela amada pra valer, à qual dedicamos todos os tempos e espaços, pelo menos naquele instante da vida. Era assim que você vinha, com suas distrações, solta, livre, tornando-se para sempre uma doçura em minhas lembranças. Eu a olhava embevecido, orgulhoso por tê-la, cheio de intenções por sabê-la minha. Meu olhar a atraiu, você sorriu e eu vi seus dentes pequenos e perfeitos, e desejei que voltasse logo para perto de mim, para abraçá-la e sentir seus dentes em minha boca. À noite, em nossa casinha de pano, falávamos de amor enquanto ouvíamos os coqueiros dizerem coisas entre si, e eu cuidava de sua pele branca de carcamana que ardeu ao sol de Itapuã. Cedinho, você sempre dormia. Eu caminhava até a água, bem ali, a poucos passos da nossa casa. Recebia aquele afago morno das ondas mansas, depois me sentava na areia, diante do mar que inaugurava um verde novinho todas as manhãs. E me sentia um rei só por ter você, e, sem saber, por não ter passado. Tínhamos apenas o desconhecido. Você logo acordaria para viver junto comigo esse desconhecido, tão sem tamanho quanto o mar de Itapuã.

            Hoje, sou um homem feio, cheio de cicatrizes que desfiguram minha face. Aquela jovem de corpo perfeito e olhos brilhantes não olharia para mim. Tenho um passado e espero por algum futuro, mais um pouco pelo menos. Disseram-me que já não existem os serenos coqueirais nos longos espaços da praia de Itapuã. E a igrejinha da Praça Caymmi, referência naqueles tempos, é hoje humilde alegoria do passado. O desconhecido tornou-se conhecido. Mas isso não importa, também não ligo se me considera um nostálgico e não dê importância a essas lembranças. Saiba que ainda percebo o arrepio em nossa pele queimada pelo sol daquelas tardes, pois havia sempre um friozinho gostoso trazido pelo vento do mar. Do mar que Vinícius cantou e contou que se encontrava com o céu, onde até hoje meus olhos se esquecem, e se lembram de que a Terra toda rodava enquanto eu adormecia em seus braços, sob a Lua morena de Itapuã.

Carlos Rosa Moreira é autor de "A montanha, o mar, a cidade", 
livro debatido no clube de leitura Icaraí em 4/11/2011

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7 comentários:

  1. Beleza, suavidade, romantismo, policromia, sentimento.Tudo isso faz afagos na alma feminina(?) , na alma. Carlos pinta com palavras e pinta mais que palavras em seus quadros também. Lendo sua crônica, onde cita uma casinha de pano, lembrei de um macarrão feito com água do mar, do vento lambendo minha pele coberta de sol e de sal. Isso é viver literatura: ler e reler Carlos Rosa, oh coisa boa! Já sentia falta de seus tão belos textos! Parabéns,Carlos!!
    Elô

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  2. Delícia de crônica, texto gostoso de ler. Dá até pena quando acaba. Bom começar o dia assim, com a suavidade de sua crônica e as delícias de Itapuã. Até esqueci por um momento que estou no coração do Centro do Rio, com seu corre-corre insano que nos atormenta a alma.
    Um presente sua crônica! Um abraço, Carlos.

    Antonio Rodrigues

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  3. Ai que me deu uma saudade de viajar, de desfrutar dessa paisagem linda ouvindo coisas belas como as que vc nos narra. Fui teletransportada. Ótimo, texto, Carlos, aliás, comme toujours.

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  4. Carlos, meu amigo, mais uma bela crônica para nosso deleite. Mais uma vez, parabenizo-o! Vou dormir e, certamente,, sonharei com o mar de Itapoã. Obrigada!
    Abraços. Elenir

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  5. Muito belo, poético. Parece-me mais um conto, um conto-degustação delicioso dando um sinal do que vem por aí no novo livro. Parabéns Carlos, excelente como sempre. Abs

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  6. Lindo, Carlos.
    As lembranças são nosso alimento.
    Saber-se lembrada é reconfortante...
    Sonhar é preciso!
    Parabéns!
    Você e seu eterno a- mar...

    Vera.

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  7. Muito obrigado a todos que leram e ainda comentaram o texto. Obrigado pelas palavras tão gentis.
    Um grande abraço a todos.
    Carlos.

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