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29 de abril de 2023

Livros, leitores e literatura: entrevista com Benito Petraglia

Publicado originalmente em 19/07/2013

By: Rita Magnago

O CLIc traz para você entrevista exclusiva com Benito Petraglia, participante presencial renomado por fazer verdadeiras autópsias dos livros, desvendando mensagens implícitas, referências cruzadas e ajudando a dar ao texto um conteúdo ainda mais rico e diversificado.

Figura polêmica, Benito, doutor em Letras pela UFF, também é famoso por suas críticas contundentes às obras e é ardoroso defensor da literatura nacional, mais especificamente, do romance.

Conheça um pouco do que ele pensa sobre livros, leitores e literatura. E fique à vontade para saciar sua curiosidade com mais perguntas. Está feito o convite.




Para você, o que é a boa literatura?
Pra mim uma boa literatura é aquela que conjuga de maneira harmônica e justa forma e conteúdo. Engenho e arte nas palavras de Camões. Muitos não prestam a devida atenção à forma ou ela passa despercebida, mas é ela que dá a coerência interna ao romance. Falo romance porque é o gênero principalmente lido no clube. Além disso, deve apresentar uma visão problematizada da vida. Costumo dizer, brincando, que, na divisão cultural do trabalho, o escritor é aquele que sofre por nós, os leitores.


Na sua opinião um leitor comum tem plenas condições de aproveitar uma obra literária? Por quê?
Totais e absolutas. Os maiores críticos, que considero grandes leitores, não tinham formação acadêmica específica: Álvaro Lins, Otto Maria Carpeaux, Antonio Candido, que reputo o maior (tinha inicialmente formação em sociologia). Acho que é sobretudo uma questão de gostar com gosto, gostar muito.


Para um leitor que deseja mergulhar fundo num livro, que sugestões você daria?
Respondo unicamente com minha experiência individual. Três coisas são necessárias: reler, reler e reler. Acrescento uma quarta: reler. A primeira leitura nos dá um panorama geral do texto e alguma ênfase especial que o autor dá ao livro. As leituras posteriores aprofundam o panorama geral, destacam a ênfase especial. Eu também anoto o que considero importante, maneira de fixar estes pontos. Finalmente, a atitude, falo mesmo da postura física do leitor. Não dá pra ler, relaxado, espichado na cama, com olhos frouxos.


Há tanta variedade de autores e temas, como escolher um bom livro?
Pergunta difícil. Adoto basicamente dois critérios, os quais admito que são precários: o passado do escritor (prêmios recebidos) e o apanhado do que se diz a respeito dele (comentários da crítica).


Que características um livro deve ter para ser considerado literário?
Esta é aquela pergunta irrespondível. A tal da "literariedade" parece a descoberta da pedra filosofal. É um problema que tem variado no tempo. Antigamente literário era o texto edificante, que trouxesse algum ensinamento. Depois era o beletrismo, escrever difícil, uma linguagem parnasiana e rebuscada. Mais recentemente isso mudou, ainda bem, e o registro coloquial pode, sim, ser literário. Como você notou, não respondi à pergunta. Talvez ela esteja no conjunto representado pelas respostas às outras quatro perguntas.


27 comentários:

  1. Benito..Não preciso dizer-lhe que sou sua fã incondicional. O que vc pensa sb determinados livros que nos marcam e o colocamos "na cabeceira"
    Ceci

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    1. Ceci, você como sempre generosa comigo. É, determinados livros, os chamados de "cabeceira", como diz você, atendem a uma demanda íntima, absolutamente pessoal. Tão íntima e tão pessoal que os mesmos livros passam indiferentes pelo crivo de outros leitores. Mas, Ceci, você está muito mais capacitada a responder a esta pergunta do que eu.

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  2. Tambem gostaria de saber um pouco sobre como se iniciou essa paixão pela leitura..sei que vc teve uma formação em outra área. Ceci

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    1. De fato, sou formado em medicina. Desde guri eu lia: histórias em quadrinhos, livros de bolso. Depois passei à literatura "séria". Por isso, não tenho nenhum preconceito contra qualquer tipo de livro, desde que tudo leve água para o moinho da formação do hábito de ler. Minha única questão é de precedência. Os anos passam e eu preciso ler muitos e muiots livros maravilhosos que ainda não li. Parodiando Camões (segunda vez que cito Camóes), "para tão longo livros, tão curta vida".

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  3. Rita, um feito trazer Benito para nós nas internetes. Gosto muito do Benito e mais ainda quando ele fica nervoso ao discutir Machado, muito bom. Rsrsrsr. Ele é um leitor que todo escritor merece, atento, perscrutador e de uma precisão cirúrgica.

    Benito também escreve, o que pergunto a ele é: quando você escreve, essa acuidade analítica te atrapalha?

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    1. Precisamos retomar nosso grupo de Machado. Esperemos a nossa Amanda terminar o doutorado e sossegar aquela guria, a tal de Lívia.
      Às vezes, quando estou pra começar um conto, penso: "vou iniciar com uma frase forte, pra prender o leitor de saída." Mas acho que isso não adianta muito. Literatura, como toda arte, é talento. A literatura precede a crítica ou a "acuidade anaíitica", a crítica vem sempre a reboque. Há escritores espontâneos e cerebrais e, ainda que eu prefira os últimos, existem bons e ruins nas duas categorias. Como disse,literatura é talento, e eu não tenho talento, mesmo que às vezes acerte a mão e escreva alguma coisa que preste, mas é excessão. Assim, repetindo Antonio Candido, "se não podemos ser criadores, sejamos ao menos observadores literários".

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    2. Verdade Benito, realmente morro de saudades de machadinho, sei que minha amiga Amanda está numa fase que nem machadinho seria capaz de afastá-la da pequena, aquela criaturinha é enfeitiçante, existem fases na vida que é preciso viver até a última gota, chupar o bagaço e não joga-lo fora, pois ao contrário do que poderíamos esperar, em vez de seco, quando nos damos conta, lá está ele tão turgido quanto antes, ah! os filhos e suas miraculosas existências para as mães.

      De teoria e teóricos nada sei, mas devo concordar com Antonio Candido, e já há muito que sigo seu conselho, mesmo sem ter lido nada dele, sou uma mortal observadora literária dentre outras artes também.

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  4. Benito, como você já deve ter sacado, sou uma "leitora comum", não tenho nenhuma formação acadêmica, mesmo assim me atrevo algumas vezes, a dar opiniões, escrever, (mesmo sabendo que existem mil falhas)
    Você acha que pessoas como eu devem ficar "caladinhas" ou ser "atrevida" é um bom sinal.
    Toda minha admiração...
    Vera.

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    1. Obrigado, Vera. Atrevida, Vera, sempre atrevida. Como disse, e direi mil vezes, não é preciso ter formação acadêmica específica para se tornar um bom leitor. O único requisito, a meu ver imprescindível, é gostar de ler.

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  5. Como a Helen Camille falou, o Benito é o leitor que todo escritor merece. Super atento mesmo. Coisas que muitas vezes preciso reler para perceber, ele coloca um olhar de águia dentro do texto e enxerga detalhes imperceptíveis a leituras desatentas. Uma coisa que eu invejo nele é esse fôlego para devorar livros, pois como deixou claro na entrevista, ele chega a ler alguns livros 4 vezes, e alguns livros até mais.

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    1. Comentário de amigo não vale.
      Saudações tricolores.

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  6. Ceci e Helene, Benito me pediu para informar que ele já tinha respondido às perguntas de vocês, mas marcou uma opção na hora de 'enviar como' que não saiu nada. Ele vai responder novamente, e também à Vera, Benites e quem mais perguntar na segunda-feira, que é quando ele estará com computador disponível novamente.

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  7. Boa noite, Benito!

    Você já mudou a sua opinião/crítica a respeito de um livro que não tenha gostado na primeira leitura?
    Já aconteceu dar aquele "clic" e pensado: como essa segunda leitura me surpreendeu!

    Abraços!

    Sonia Salim

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    1. Aconteceu, Sonia.
      Se eu tivesse juízo e prudência, calaria, mas conto. Aconteceu com, na minha opinião, o maior escritor da literatura brasileira - Machado de Assis.
      Meu irmão me deu o segundo volume, o de contos, da edição da Aguilar da obra de Machado.
      Achei chato demais. Mas a segunda leitura foi uma revelação. Não sei explicar o motivo. Talvez porque suas histórias não tenham quase peripécia, é um texto mais reflexivo, sei lá. O fato é que, a partir de então, Machado de Assis é o autor a que tenho mais me dedicado. Minha tese foi sobre um romance dele. Continuo a lê-lo e a estudá-lo. É um autor pra vida toda.

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  8. Gostei muito da entrevista. Li algumas vezes.
    É objetivo e sonoro. Aprendemos e refletimos com ele.
    Viva o nosso Clube.
    Hélio Penna.

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    1. Obrigado, Hélio.
      Mas tem um verbo a mais, sobrando, no seu comentário.
      Reflitamos, só reflitamos.

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  9. Caro Benito,
    Parabéns pelas excelentes respostas. Bela entrevista! Aprendo muito com você. "Conjugar, harmonicamente, forma e conteúdo", como você nos diz, é uma forma de enriquecer nossa leitura e, também, nossa aprendizagem. Sim, porque não basta ser alfabetizado, temos que aprender a ler. Ouví-lo nos leva a isso. Quero fazer-lhe uma pergunta: Qual o melhor livro que você leu, ou melhor, o que mais o impactou?
    Abraços.
    Elenir

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    1. Minha querida Elenir
      A proposta que te fiz continua de pé, hein!
      O melhor livro que li chama-se "Grande sertão: veredas". Assim como se come uma comida gostosa de joelhos, se lê "Grande sertão" de joelhos. O romance tem tudo: tem história de amor, tem aventura, tem reflexão filosófica. Outro dia li em algum lugar, numa dessas enquetes em que se pergunta a alguém que livro está lendo no momento, a pessoa responder que terminava Grande sertão e ia começar de novo. Isto é, era uma leitura contínua. Taí, gostei da ideia, acho que vou adotá-la.

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  10. Salve, Benito!!

    Afinal, quando você vai abrir uma turma para aprendermos um pouco sobre Literatura?
    Acho que você poderia nos dar um quadro legal sobre literatura brasileira e muitas outras informações de que somos carentes!! Que tal?? Só marcar que eu tô dentro! Forte abraço!!

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    1. Poxa, Newton, você tá de saca...( O Evandro vai censurar, o nosso Obama de plantão). Só não tomo seu comentário como ofensa, porque levo na conta de nossa amizade.

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  11. Benito, tenho mais uma pergunta: face à sede constante de ler novos livros e ao tempo curto para fazê-lo na medida em que gostaríamos, como ainda nos dedicar a reler os livros e várias vezes, como propõe você? Isto pressupõe abrirmos mão de ler outras obras, certo? Vale a pena a opção? Seria algo na linha de quantidade x qualidade ou nem todo livro precisaria ser relido? Há algum critério para a releitura adotada por você?

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    1. Rita,como mais uma pergunta? Você fez quatro!
      Independente de lermos um livro mais de uma vez, quer dizer, no meu caso, a leitura, a meu ver, é sempre uma opção. Como respondi a Ceci, é uma questão de precedência, não de preconceito. Lógico que há livros que não comportam uma segunda leitura, melhor dizendo, não suportam uma segunda leitura, melhor dizendo, não suportamos uma segunda leitura. Por outro lado, há livros excepcionais cuja releitura se impõe, porque de tão ricos necessariamente algo escapará na primeira. Exemplos, entre outros: Grande sertão e O ano da morte de Ricardo Reis. Em relação aos livros do clube, procuro lê-los mais de uma vez quando possível(com Equador, por exemplo, não foi possível), a despeito de uma boa parte não merecer. Nesse caso, é por um motivo muito simples - é pra eu ter mais segurança na hora de comentar.

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  12. Conheci o Benito através da transmissão da webtv.uff na reunião de discussão do livro "Infâmia", de Ana Maria Machado. Eu gostei da forma sincera ou mesmo contundente com que ele defende a sua visão sobre determinada leitura. E aproveitando a ideia do Novaes, quero dizer que eu também não posso perder essa possível aula de literatura. Pela internet há muitas formas de fazer isso acontecer. Hoje estamos perto mesmo longe.

    Quero aproveitar e agradecer pela sua resposta, Benito, que nos deixa uma mensagem: as avaliações que fazemos estão em constantes mudanças.

    Abraço! Sonia Salim

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  13. Adorei a entrevista e a discussão que continua. Também me candidato à aula de literatura do Benito.

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  14. Muito boa a entrevista do Benito e com certeza teremos mais ensinamentos virão dele. Espero não perder a aula de literatura que ele vai nos dar.

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  15. Eduardo, agradecendo a você, agradeço também a Rosemary e Sonia. Mas não levem a sério o que o Newton disse. Brincadeira dele.

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  16. Benito foi um grande professor para mim.
    Sua sensibilidade, inteligência e cultura eram inigualáveis.

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