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1 de julho de 2013

Kafka: Cyana Leahy



Acaba de passar pela sala uma barata. O que dizer da dona desta casa? Onde seu capricho, seus panos e vassouras, esfregões e químicas, se ela permite uma barata a correr pela sala?

A visita descomposta logo parte, levando a público a imagem da barata em linha reta, íntima, rente ao tapete, correndo definidamente. Logo todos falarão da barata. E nem o consolo de ter sido uma barata alada ou uma kafkiana humabarata. Ou colorida. Ou lenta. A incomensurável humilhação da corrida da barata pela sala, na presença da visita, beirando o tapete português.

Saída a visita, ombros caídos, é deixar livros e papéis de lado e lembrar, como os sábios, da obrigação antes da devoção: vassouras duas, panos alguns, um espano, três produtos de limpeza de cheiro acre e efeito garantido contra visitas. Afastar móveis, desalojar teias de aranha, limpar altos e baixos, esfregando com força, socando almofadas com o ódio retido pela própria condição. Antes de poetar há que limpar e cozinhar. Porque há um homem lá fora, no mundo, a trabalhar arduamente para trazer para casa o pão suado - tão melhor seria uma pizza quentinha – e aqui dentro temos o ócio instalado.

Correr, bater com a vassoura na visita, espanar a visita para fora, limpar com panos e químicos os resíduos no chão. Esfregar-se pelo chão. Recolher tudo à vagina murcha de culpa e, escondido, voltar a escrever.

(in PERPLEXIDADES & SIMILITUDES, CL Edições - no prelo)


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CYANA M. LEAHY-DIOS é professora (UFF), escritora, tradutora, pianista. Licenciada em Letras (UFF), Mestra em Educação (UFF), PhD/doutora em Educação Literária (London University). Escreve ensaios, ficção, poesia. É autora de 16 obras publicadas por várias editoras, sendo 06 e poesia, 03 de literatura juvenil, 02 de contos, 05 de pesquisa acadêmica e artigos e capítulos de livros publicados no Brasil e no exterior. 
Traduziu, dentre outros, Solstício de Inverno, de Rosamund Pilcher (Ed. Bertrand), Sexo e Negócios, de Shere Hite (Ed. Bertrand), Queima roupa, de Annie Proulx (Ed. Bertrand). Verteu para o inglês Cultura do Papel (Casa da Palavra), HIstória dos grandes personagens do cinema brasileiro (Ed. Fraiha), Coleção do Artista:  Amador Peres (Ed. Fraiha).
Obra poética: Biombo (Ed. Cromos), Íntima Paisagem (Ed. Sette Letras), Livro das Horas do Meio (Ed. Sette Letras), Poemas dos Tempos-Duetos (c/ Fred Schneiter, CL Edições), Seminovos em Bom Estado (CL Edições),(Re)confesso Poesia (Ed. 7 Letras).
Obra de pesquisa acadêmica: Educação Literária como Metáfora Social (Ed. Martins Fontes), Palavra Impressa (Ed. Casa da Palavra), Língua e Literatura: uma questão de Educação? (Ed. Papirus), A Leitura e o Leitor integral(Ed. Autêntica), Espaços e Tempos de Educação (co-autoria, CL Edições), Docência da Lìngua Portuguesa: experiências contemporâneas (co-autoria, CL Edições).
Prosa literária: Todos os Sentidos: contos eróticos de mulheres (co-autoria, CL Edições), premiado como 'Melhor Livro de Contos de 2004, pela União Brasileira de Escritores; Contos Tradicionais Irlandeses (Franco Editora, Prêmio Ireland Literary Exchange 2005, em Dublin), Uma História de Criança e de Futuro  (Franco Editora), Carteira de Identidade (Franco Editora/CL Edições). 
Estão no prelo Perplexidades & SiImilitudes, prefaciado por Moacyr SCLIAR (contos), Mitos e Medos: diálogo entre Saúde e Educação (pesquisa acadêmica), Mulheres na Literatura: a invisibilidade oficial (pesquisa acadêmica), sobre os quais já escreveu vários artigos publicados em 'Leitura: Teoria e Prática', dentre outras publicações.
O artigo 'Cyana Leahy-Dios', publicado por Kátia BEZERRA em Literatura e Afrodescendência no Brasil: uma antologia crítica (org. Eduardo de Assis DUARTE, pp.395-407, Editora UFMG).  
Opiniões sobre a autora: 

'Gosto do equilíbrio quando Cyana usa uma força subterrânea com um cotidiano explícito. Esta poesia é boa, tem manha, curva, elipse, paradoxos, sensualidade... (Fabrício CARPINEJAR)

'Fico feliz em saber que existem em nosso país pessoas como você, capazes de escrever com tanta sensibilidade'. (Rose Marie MURARO)

'Cyana Leahy faz poesia de fato. amorosa. Contundente.' (Maria Regina MOURA)

'Cyana Leahy, cigana esteta, produz um canto amadurecido e definitivo, impondo-se pela beleza plástica de seus versos e pelo sentido ontológico de sua essência.' (Angelo LONGO)  

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(trechos do  PREFÁCIO, por Moacyr Scliar)

Cyana Maria Leahy-Dios é o legítimo talento polivalente. Em matéria de textos faz tudo o que se pode imaginar. Cyana Leahy nos dá este Perplexidades e Similitudes, e de novo nos mostra sua maestria no conto, gênero difícil; ao contrário do que muitas pessoas imaginam, a brevidade não facilita, dificulta. É um desafio ao poder de síntese. (...) Suas histórias são um prodígio de síntese. Não há uma palavra sobrando ou fora do lugar. Poucas linhas resumem de forma completa uma situação-limite, aquelas situações em que a condição humana se revela por completo, sem máscaras. Mas, importante, não faltam a estes textos humor, ironia, imaginação. Ou seja: o prazer do texto.  (...) Em suma, este livro é um convite à Literatura com L maiúsculo, a grande literatura. Cyana Leahy é uma escritora completa, uma escritora cuja obra Clarice Lispector, por exemplo, aplaudiria.  Benvindos ao verdadeiro banquete literário que está nas páginas deste livro.

                                                Moacyr SCLIAR


Um comentário:

  1. Um conto conciso de uma autora super charmosa.

    Gostei muito de 106 falas de amor (e seus cenários) da autora. Uma das falas era minha.

    Gosto muito do estilo caliente de Cyana.

    Fred

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