Tenho
certeza de que, se um leitor jovem, da atualidade, for perguntado
sobre quem foi Vivien Leigh, pensará muito para responder e,
pensando muito, não responderá. Mas, se tiver alguma informação e
interesse por Cinema, saberá quem foi Scarlet O´Hara.
A heroína
de “...E o vento levou” era – e talvez continue sendo (mas não
para muitos, como no passado) a personagem feminina mais famosa da
história do Cinema. E foi encarnada por Vivien. Quanto à atriz,
porém, reina confusão: outro dia um conhecido meu jurava que quem
fazia Scarlet era...Janet Leigh. Sua memória estava parcialmente
certa, mas ficou espantado quando o corrigi. Perguntou, perplexo:
“Quem é essa Vivien?”
Esse
esquecimento é injusto porque nunca uma atriz serviu com tanta
perfeição a um personagem.
Reza o
folclore da produção que seu produtor, o megalomaníaco David O.
Selznick (que, entre outros diretores, atormentava Hitchcock com sua
prepotência), em busca da atriz que encarnasse a heroína do romance
popularíssimo de Margaret Mitchell, fez testes com atrizes
consagradas da Hollywood dos anos 30 (Bette Davis entre elas), mas as
filmagens já estavam sendo iniciadas e ele não havia ainda
encontrado a atriz que queria. Sem saber o que fazer, foi filmando a
produção já lá pelo meio, com o espetacular incêndio de Atlanta
e dublês de Scarlet e Rhett Butler atravessando as chamas com
carroças (quem se lembrar do filme, lembrará da cena, certamente).
Myron Selznick, seu irmão, apareceu no pandemônio das filmagens com
uma mulher desconhecida pelo braço. Apresentou-a para David: “Gênio,
eis sua Scarlet O´Hara...”
Vivien
era apenas uma atriz inglesa que ainda não era muito conhecida na
América. Estava em Hollywood acompanhando o amante, Laurence
Olivier, que fora para lá filmar “Rebecca”, também para
Selznick. Na Inglaterra, Vivien tinha abandonado o marido para viver
com Laurence, o que não escandalizava muito os ingleses, mas, na
América, era um fato que precisava ficar em segredo. Ela lera o
livro de Mitchell, e, em Londres, concebera o plano mirabolante de
interpretar Scarlet na tela. Estava predestinada ao papel, sem dúvida
alguma. Preparada para ser um mito.
TROCANDO
O CINEMA POR OLIVIER
É
impossível não admirar Vivien. Não fosse pela beleza e pelo
talento de atriz, teria que ser admirada pela integridade, pelo
caráter independente. Teve tudo aos pés, literalmente, pois, nos
anos 40, depois do sucesso esmagador de “...E o vento levou”, foi
certamente a estrela de cinema mais famosa do mundo.
Mas o
Cinema não a interessava tanto quanto o Teatro. Para desespero dos
fãs eternos de Scarlet, não deu muita importância à carreira
cinematográfica, rejeitou um papel atrás do outro e fez, sem
acreditar nele, o papel de uma bailarina que se torna prostituta no
melodrama “A ponte de Waterloo” para a Metro. O filme é um
anacronismo lacrimejante, mas, quando a gente o revê, revendo
Vivien, acredita-se piamente naquela tragédia, porque ela era
perfeita para fazer mulheres trágicas e engole todo o resto,
incluindo o galã, o apenas bonito Robert Taylor.
Vivien se
lixava para os filmes. Queria era representar no palco ao lado de seu
homem e seu ídolo, Olivier. Com ele, realizou incontáveis
interpretações de textos de Shakespeare. Admirava o amante mais que
tudo no mundo.
Mas havia
aí um problema, um desses cenários atormentados apenas suspeitados
por trás de casais onde os dois têm grande talento: nunca se sentia
inteiramente à altura dele, um narcisista implacável. E ele a
invejava porque, na tela, nunca conseguiu tornar-se um mito como era
no palco. Vivien se tornou um mito do cinema, ele não. Portanto, por
compensação, era muito exigente em seu território: o teatro.
Vivien se arrebentava para ser elogiada por ele, colocando-se numa
posição de dependência obviamente neurótica. Uma relação
infernal entre dois egos imensos. Eram, àquela altura, o casal de
atores mais famoso do planeta.
DIVA
MANÍACO-DEPRESSIVA
O que
informo aqui, soube pelo livro “Vivien Leigh”, da biógrafa Anne
Edwards, lançado há muito tempo (anos 80) pela Francisco Alves e
encontrável, hoje em dia, apenas nos sebos. Não tem outro interesse
além de ser a biografia mais acessível de Leigh que há por aí,
porque Edwards é uma escritora chata e dispôs o material, que
poderia ser palpitante, de maneira muito reverente e árida.
Mas a
personalidade de Vivien consegue sobreviver ao livro. O caso
complicado com Olivier é mais sugerido, em tudo quanto devia conter
de infernal, do que relatado cuidadosamente. É possível que Olivier
tenha carregado até a morte a culpa de ter atraído para si aquela
mulher, que abandonou um casamento convencional sólido, com uma
filha, para segui-lo nos palcos. Que fazer? Homem algum teria
resistido heroicamente a ser admirado por Vivien, linda daquele
jeito. Mas o pior veio depois que eles estavam há bom tempo juntos,
quando ela passou a ter crises de psicose maníaco-depressiva.
O grande
público mal podia suspeitar que sua eterna “Scarlet O´Hara”
tinha surtos de loucura. Sempre finíssima e aristocrática, Vivien,
ao “surtar”, tornava-se uma mulher debochada, histérica, que às
vezes até queria se despir em público e era contida à força por
amigos. Ficava agressiva, assustava os colegas de palco, se
desesperava, caía em prostrações que duravam dias e, depois de ter
destratado e insultado meio mundo com uma infinidade de palavrões,
se arrependia e mandava flores e presentes aos ofendidos. Não
bastasse isso, tinha períodos de ninfomania. Marlon Brando, que fez
com ela “Uma rua chamada pecado”, sabia que ela “traçava”
com freqüência os atores com os quais contracenava, traindo
Olivier. Em respeito ao grande ator, conteve-se. É o que ele diz em
sua autobiografia “Canções que minha mãe me ensinou”.
Até onde
isso é fofóca, quem algum dia saberá? O certo foi que Vivien Leigh
estaria tendo um caso também com o ator Peter Finch, com quem
começou a filmar, em meados dos anos 50, no Ceilão, o filme “O
caminho dos elefantes”. Teve um de seus surtos e abandonou a
produção. Para substituí-la, contratou-se Elizabeth Taylor, devido
à sua semelhança com ela. E o filme ajudou Liz em sua carreira de
estrela dos anos 50.
Mas foi
ao lado do Brando em “Uma rua chamada pecado” (triste versão
brasileira para “Um bonde chamado desejo”) que Vivien fez seu
segundo grande papel na tela. Curiosamente, encarnando outra dama
sulista, mas certamente muito mais mórbida e neurótica. Sua Blanche
Dubois é perfeita, embora quem reveja o filme hoje em dia talvez
ache a interpretação muito teatral. Vivien não é “naturalista”,
não é adepta de “less is more”, não procura imitar a realidade
sendo displicente e à vontade. Como toda atriz que se arrisca em
patamares mais elevados, parece exagerar, mas é porque está lidando
com material artístico de feitura mais exigente e traz à vida, com
tanta ternura e força, a personagem de Blanche, que o texto poético
de Tennessee Williams nunca encontrou uma intérprete tão
definitiva. Pauline Kael dizia que, ao lado da de Falconetti para a
“Joana D´Arc”, de Dreyer, essa era a maior interpretação
feminina existente na história do Cinema.
Depois
disso, a verdade é que não há nada muito notável de Vivien na
tela, e é quase certo que o público tenha se esquecido de filmes
como “Profundo mar azul”, “Em Roma, na primavera”, “A nau
dos insensatos”. Já estava madura, aquela mulher, não tinha mais
a fantástica atração de Scarlet e mesmo, em certa medida, a de
Blanche Dubois, a despeito da carga de desespero deste personagem que
certamente não é tão popular quanto Scarlet.
Sem
grandes sucessos no cinema em seus últimos anos, Vivien se voltou
muito mais para o teatro, seu amor maior. Mas Hollywood nunca a
esqueceu. Aliás, Vivien é a matriz de certo tipo de estrelas que o
cinema de Hollywood sempre procurou e consagrou: a mulher clara, mas
de cabelos negros e de olhos intensamente verdes ou azuis fazendo um
contraste adorável. Heddy Lamarr, Elizabeth Taylor, Jean Simmons e
outras tinham acentuada semelhança com ela. Era como se Hollywood,
não podendo tê-la, se empenhasse em substituí-la, até mesmo
inconscientemente. Atualmente, todo mundo reconhece com naturalidade
que, por trás do tipo, reina a esquecida Vivien. Haveria
dificuldades para fazer uma cinebiografia, no entanto. Que atriz
seria bonita e talentosa à altura dela? Não Kate Beckinsale, atriz
inglesa atual que tem o tipo, mas certamente jamais encarnaria Vivien
com justiça. É engraçado ver no recente “Uma semana com
Marilyn”, a atriz Julia Ormond tentando encarnar Vivien com um
fracasso constrangedor. Julia não é nem bonita nem talentosa o
suficiente para sugerir a beleza de Vivien, que atingiu um status
lendário.
Ela
morreu em 1967, esquecida pelo cinema. Tinha se separado de Olivier
havia muito tempo, porque o ator não tolerava mais suas crises.
Cercada de admiradores, chegou a passar pelo Brasil dos 60 com a
companhia teatral inglesa Old Vic.
Morreu de
tuberculose, na mais clássica adequação à sua aura de heroína
romântica. Com aquele rosto e aquela classe, imortalizados numa
fotografia de Cecil Beaton que o livro de Edwards traz, ela foi uma
diva ajustada à perfeição aos ideais de poetas e pintores.
Mulheres com sua fragilidade e aura de delicadeza (sob as quais
reinava uma grande turbulência) já não existem mais no cinema.
Nascera
para musa. No que isso tem de mais belo, inspirador e trágico.
Pensarei nisso amanhã!Hoje eu vou comemorar o cine-CLIc!
ResponderExcluir"...quem foi Scarlet O´Hara." Chico Lopes, esta é a minha personagem de cinema preferida, sem dúvida.Nos momentos difíceis, é dela que me lembro,com aquele punhadinho de terra nas mãos, esperança e vontade imensas.Parabéns ao cLIc por contar com sua colaboração!
ResponderExcluirViva o cinema e literatura unidos!
Elô
"..quem foi Scarlet O´Hara. " Minha inesquecível e preferida personagem! Parabéns ,Chico Lopes, por sua etreia, no Blog do CLIc, com ela. Viva o cinema e a literatura unidos pela escrita de nosso amigo Chico Lopes.Muito honrados!
ResponderExcluirAdorei ler vc aqui.
Elô
Chico,
ResponderExcluirÉ impressionante o seu conhecimento cinematográfico, memória prodigiosa para nomes e datas!
Quando vi, aos dez anos de idade, "...E o vento levou", na TV, fiquei deslumbrada, embora não o compreendesse perfeitamente. Tenho ainda na memória aquele tom rosado que envolvia a atmosfera da película, uma memória sinestésica. Era colorizado ou defeito na minha TV?
De todo modo, foi precisamente esse filme que posteriormente (não me lembro por quais razões, talvez a temática, mas recordo-me claramente da remissão a ele) à leitura das irmãs Brontë e, depois, Jane Austen.
Gostei muito deler mais sobre a mítica Scarlett O'Hara!
Abraços, meu caro,
Vanessa Maranha