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Em 37 histórias curtas, que buscam desafiar os limites da crônica, o autor constrói um painel sobre a vida contemporânea, tendo a literatura como pano de fundo.
* * *
Marcelo Benini é mineiro de Cataguases, cidade de grande tradição cultural e literária. |
Excertos de "O Homem Interdito"
Compêndio da Anatomia dos Amores Mortos
Cada amor malogrado tem a sua
própria maneira de deixar ressaibo. Eis por que a natureza tem sabedoria, posto
que amores não se destinam ao esquecimento. Esquecer é um remédio alopático,
que só faz empurrar o amor lá para dentro, entranhando-o, calcificando-o dentro
de nós e nos tornando museus de histórias mortas.
Cada um que se vire e crie para si
uma maneira peculiar de arrastar seus amores. Eu tenho a minha e aqui a revelo
sem receio de alogia ou julgamento. Tenho a aptidão de receber em meu corpo o
espírito dos amores fúnebres e dar novamente voz a cada um deles. Esse
fenômeno, todos já o conhecem por psicofonia. No meu caso, o singular é que
todas as moças em questão ainda estão por aí, vivinhas. Algumas se casaram
novamente, outras tiveram filhos, enfim, tocaram a vida, como se diz.
...
Nunca me interessou o homem
obediente. Evitei sempre os temas rotineiros, a crônica de hábitos. Tais
observações serviriam apenas para dar lastro ao imbróglio em que se transformou
a vida neste mundo. Ocupo-me do homem vencido, sobrepujado, aquele que se curva
com tristeza, entregue bovinamente ao estado das coisas.
Há grande diferença entre o homem
obediente e o homem interdito. O primeiro vive absorto em enganos. Aceita a mentira
para suportar a si mesmo. Ainda que o ar lhe esmague as vias ele acreditará na
fraude da felicidade. O homem é um animal abatido, nele há essa memória
infernal das coisas às quais jamais compreenderá. A sabedoria do homem
interdito é aceitar a tristeza como uma condição.
O primeiro enfrentamento se dá a
cada manhã, quando os cílios movem-se autômatos e já a primeira claridade
oprime os sentidos. Acaso não deveríamos ao abrir os olhos extasiarmo-nos com a
luz? Estamos a adivinhar o peso de algum jugo inaudito quando fechamos as
pálpebras em um gesto de proteção e desejamos adiar a vida por alguns minutos?
...
O Domingo dos Ipês (Trois Gymnopédies)
A flor se desprende do talo e cai
com delicadeza de flor. Cai como a melodia: douloureux, triste, grave. Antes de
chegar ao chão, destino que lhe impõe responsabilidades humanas, a flor estala
de amarelo o contraforte azul que é o céu.
Só é perceptível na flor o amarelo,
assim como só é perceptível a felicidade no olhar de um pai que pressente o
filho. Pintem de azul todos os calendários no mês de setembro! Sem manchas
brancas, sem tristezas plúmbeas. Apenas azul-setembro.
As flores vão caindo e juntando-se
a muitas outras flores sobre a grama gris. Não chove há três meses. Pergunta-me
a amiga que gosto há em viver em uma cidade tão insípida? Digo-lhe que é o céu,
pois que abaixo dele nada combina bem. À umidade de doze por cento até as almas
ressecam, concordamos. Tem-se, então, a vida nessa cidade de estranhos hábitos,
o de ignorar o nome da moça que vive no apartamento ao lado, de não se dizer
bom dia no elevador e de caminhar olhando sempre o chão.
...
...
O Sorriso dos Infelizes
Ainda existe em minha memória o
menino que tocava bandoneon nas ruas de Santelmo. Esse menino não existe mais e talvez eu mesmo
já não exista. Eu e aquele menino nos perdemos no tempo. Não sei as causas que
o levaram ao desaparecimento, isso caberá às autoridades de Buenos Aires
investigarem e darem uma explicação convincente à população e aos milhares de
turistas que visitam a cidade. Quanto a mim, sei exatamente por que deixei de
existir, mas isso não vem ao caso agora.
Ocorre que eu e aquele menino
cometemos erros graves. Eu, o de tirar a fotografia e ele, o de se deixar
fotografar. Naquele segundo em que meu dedo pressionava o botão, nenhum de nós
poderia imaginar que estaríamos para sempre ligados. É tão raro haver um
encontro como aquele, onde há total cumplicidade das tristezas. Passamos a vida
procurando por isso e acreditamos por algum motivo que tal afinidade esteja nos
olhos da mulher amada. O que vem a ser o amor senão essa esperança de que um
olhar seja suficiente? Ocorre que são tantas e tão fracassadas tentativas que
resta apenas um cansaço autômato de turistas fotografando.
...
* * *
(As histórias continuam em "O Homem Interdito" de Marcelo Benini)
"...nenhum de nós poderia imaginar que estaríamos para sempre ligados. É tão raro haver um encontro como aquele, onde há total cumplicidade das tristezas." Marcelo , estou encantada com suas crônicas. Há encontros que nos fazem sentir menos sós. Quanta sensibilidade em suas crônicas e poesias. Ler vc , está sendo um legítimo prazer que adoraria dividir.
ResponderExcluirElô (Helena, no Facebook)
Olá Benini, agora quando estiver com o esparadrapo da observação e ver uma moça com livro num Café, não vou deixar de lembrar de "O homem interdito".
ResponderExcluirBelíssimo livro! Ainda estou lendo mas estou encantado com a leveza dos textos, com a sensibilidade e os temas abordados pelo autor.
ResponderExcluirNo compêndio de anatomia não entendi o por quê dos amores mortos, já que eles estão vivinhos da silva.
Achei espantoso o suicídio de Nietzsche em "O lá de fora assoma".
EPA! Encontrei um lugarzinho pro GDA na mesinha de cabeceira e resolvi despachar o terapeuta!
Não é lá Paris, mas também eu encontro rauzitos azuis todos os dias nas ruas do Rio!
Adorei: "Porém, o fato de termos que passar pela garagem para irmos à casa um do outro dava aos nossos encontros certo ar original, mas também ilegítimo. E talvez tenha sido esse o problema. Nunca assumimos verdadeiramente aquele amor. Não atende aos requisitos legais um amor que se une por subsolos."
"Minha avó passarinho": belíssimo, terno e triste texto poético! Quanta sensibilidade Marcelo atribui ao narrador nessa declaração de amor por sua avó!
Que livro é esse em que alguém "fica horas olhando uma bacia de plástico rosa cheia de meias apodrecendo?
"Essas moças que vivem com um livro nas mãos e respiram ofegantes na hora do amor" não devem, realmente, saber o que significa torcer pelo Flamengo!
Não vejo a hora de retomar a leitura!
Evandro, meu caro, que beleza essas suas observações! Fico bobo mesmo. O terceiro livro é do Georges Perec: "Um Homem Que Dorme". Muito interessante. Recomendo a você e ao Clube. Um grande abraço e não tenho palavras para agradecer a acolhida que meus livros têm recebido no CLIC.
ExcluirEPA, tocantes comentarios. Essas crônicas de Benini têm mesmo a leveza aparente de que vc fala. Fazem bem, enternecem, e até divertem algumas. Também estou curiosa sobre o livro a que ele faz referencia " fica horas .....meias apodrecendo." Os outros a gente já leu:Crime e castigo, Metamorfose.Qual será este "desconhecido" ainda?rsr
ResponderExcluirHelena(Elô)
Evandro, meu caro, que beleza essas suas observações! Fico bobo mesmo. O terceiro livro é do Geoges Perec: Um Homem Que Dorme. Um livro muito interessante. Recomendo a você e ao Clube. Um grande abraço e não tenho palavras para agradecer a acolhida que meus livros têm recebido no CLIC.
ResponderExcluirOlá Marcelo, parabéns! Você conseguiu exprimir suas ideias em menos de 98 páginas. Recomendarei teu livro ao Estevão!
ResponderExcluirSabe que eu também tive um tio Rui, só que ao invés de moela de galinha, uma vez fui chamá-lo no bar da esquina porque, lá em casa, minha mãe tinha feito canjiquinha, à mineira.
Sobre o amor, pincei no texto, aqui e ali, um certo pessimismo em algumas narrativas, como quando se diz que "é preciso estar no amor como diplomatas em rodadas de negociações comerciais: a verdade será a única coisa da qual ali jamais se tratará."
E no casamento, pura sedição, quando se fala das dissimulações amorosas, de que "não há direitos sobre os sentimentos" e que "na maioria das vezes, um casamento só poderá ser mantido pela existência de um segredo." O narrador arremata com um " ah, como são felizes as mulheres que escondem segredos!" hmmmmm...
As pessoas como lugares, que belo texto: “os desencantos, nós os transformamos em pequenos trincos para que as ameaças não mais adentrem e venham a causar-nos novos estragos. Para que não mais sejamos furtados das delicadezas que nos são tão caras, nos precavemos com tramelas e aldravas. A cada ingratidão, a cada desdita, erguemos muros, trancamos janelas. Por fim estamos imersos em tenebrosa e desejada escuridão, onde nada adentra e encontramos finalmente um estado de certeza.”... voltas e reviravoltas depois se conclui, contrariamente, que é exposto às intempéries que se dá o maravilhoso recomeço da vida.
No dia em que derrubou um Balzac, o narrador inventa de nos questionar que tipo de leitor estamos sendo, quem temos amado, traça um paralelo entre os livros e as mulheres e o que seria o amor por eles & elas.
Realmente, Marcelo, o mundo não está para devaneios se amar se tornou um estranho vício de fazer maus negócios. Pois que diacho vem a ser o impenetrável coração humano que contraria toda a física, se não quando permite que dois amores ocupem o mesmo lugar no seu interior, busca o insensato prazer de se situar em dois lugares ao mesmo tempo?
Grande leitura!
Evandro, o homem obediente e metafísico
(que minha noiva-interdita não interdite essas incautas impressões da leitura!)
Nossa , quantos comentários Marcelo Benini provocou em nosso Concièrge.Recorde de comentarios. E o Homem é interdito, imagine liberado!rsrsr
ResponderExcluirParabéns, Marcelo Benini! Viva a literatura que encanta!
Mas que maldade fizeram...Me deixarem assim, na metade desses textos maravilhosos de Marcelo Benini. Que alma sensível escreve desse jeito?Quanta beleza! Um achado. Vou procurar ou pedir à Estante do Concièrge esse livro.Tem?
ResponderExcluirAdorei ,Marcelo!
Malu
ResponderExcluirSe alguém demonstrar interesse em ler O Homem Interdito, o melhor caminho é pela editora. Aí vai os contatos.
.joaquim antonio pereira
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