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15 de janeiro de 2013

Obra artística onde convivem óticas variadas


(por: W. B.)

“A Caixa-preta” (Kufsa Chhora) – livro de Amós Oz, romancista israelense atual (nascido 04/05/39) mais traduzido pro Português – foi lançado em 1987, mas, ambientado no ano de 1976. É composto por correspondências: 51 cartas e 56 telegramas trocados entre os personagens. Essa estrutura, mesmo incomum, não constitui novidade na historia da literatura: é o chamado romance epistolar, do qual são exemplos “Os Sofrimentos do Jovem Werther” (Die Leiden des Jungues Werthers), escrito pelo alemão Johan Wolfgang Goethe (1749-1832), bem como “Relações Perigosas” (Les Liaisons Dangereuses), obra pertencente ao francês Pierre Ambroise François Choderlos de Laclos (1741-1803). Esses livros vieram a público em 1774 e 1782, respectivamente, enquadrando-se numa forma literária bastante popular naquele século 18.

Porém Amós Oz (cujo nome registrado é Amos Klausner) trouxe, em seu livro, algumas peculiaridades em relação aos escritos de Goethe e Laclos.

Lendo Werther, percebe-se que a voz desse personagem título domina quase absolutamente. O narrador surge ao início afirmando ter juntado tudo quanto lhe foi possível recolher a respeito do “pobre Werther”, a cujas cartas temos acesso a partir daí. São correspondências dum mesmo remetente e todas endereçadas a Wilhem: as respostas não aparecem para nós. O narrador volta ao final do romance pra relatar o destino do protagonista. A estrutura, como se vê, é mais semelhante a um diário que propriamente a um romance epistolar.

O livro de Laclos, em contrapartida, é multifacetado, composto por missivas trocadas entre vários personagens, as quais vão compondo a trama que está a se desenrolar no presente: repleta de artimanhas, adultério e seduções.

Já em “A Caixa-preta”, as cartas estão mais voltadas à exposição do passado dos personagens e seus sentimentos, do que a ações que ocorram na época em que são relatadas. Como a caixa-preta dum avião, o livro desvela o já acontecido na trajetória – e derrocada – do casal Alexander (Alex ou Alec) A. Guideon e Halina (Ilana) Brandstetter.


Muito interessante é a variedade de perspectivas presentes na obra. Cada remetente vai se despindo em seus escritos, desnudando sua visão de mundo, sentimentos e opiniões, diretamente, sem intromissão dum narrador onisciente pairando acima de todos eles.

Compreende-se a verdade de cada um, seus motivos e posicionamentos. Se num momento o intelectual Alex nos parece simplesmente frio, cruel; noutro o vemos também em suas dores, fragilidades e boas intenções em relação ao mundo, o qual quer ver sem guerras ou opressões religiosas. Ilana, a ex-mulher adúltera, também se move em favor do bem, sendo capaz de grandes sacrifícios, mesmo por quem já a ofendeu e agrediu. Seu novo marido Michel-Henri Sommo, embora fanático e, em geral, intolerante, opoia Ilana e, com generosidade, aconselha o filho dela (Boaz), ajudando-o a abandonar condutas violentas. Boaz, por sua vez, de agressivo, desregrado e inconsequente, vai aos poucos revelando seu lado doce, equilibrado, respeitoso com o próximo.

A escrita de cada personagem é bastante própria, e nós, leitores, ao início da correspondência, já percebemos de quem ela é, pelo estilo em que foi feita. Diferente do “Relações Perigosas”, que apresenta logo no início de cada carta o destinatário junto com o remetente; no livro de Oz, só na assinatura aparece explicitamente de quem ela veio.

Vários estilos textuais, múltiplos entendimentos sobre religião, família, política, sexo, amor, convivência, essa é a caixa-preta que nos é dada a interpretar para chegarmos a nossas próprias conclusões acerca do desastre que vive o ser humano hoje num mundo de guerras, fanatismos e incompreensão.

Fontes:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S0101-31062010000100007&script=sci_arttext;

http://pt.wikipedia.org/wiki/Amos_Oz.

(A CAIXA-PRETA FOI DEBATIDO NO CLUBE DE LEITURA DE ICARAÍ EM 03/02/12)

4 comentários:

  1. Um dos melhores livros debatidos em 2012, na minha opinião.

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    1. Na minha também, Unknown!
      Adorei WB ter falado deste livro sobre este foco: óticas variadas. temos algo semelhante em As mulheres do meu pai. Vamos tomando conhecimento dos fatos com pontos de vista diferentes. Muito bom, Winter!

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  2. Também gostei muito desse livro, para mim foi nota 10. Já li outros livros com estrutura parecida. O romance da portuguesa Ines Pedrosa, Fazes-me falta, onde ora é ela, já morta, ora é o amante, quem escreve, e mais recentemente Flores azuis, da Carola Saavedra. Metade do livro é ela escrevendo cartas para um ex-amor, mas na verdade é um estranho quem as recebe, e a outra parte é o que acontece com esse 'estranho'. Interessante. Os outros livros citados por Winter não tive o prazer de ler ainda. Legal o post.

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  3. Romance ruim esse Flores azuis. Não chega perto de "A aixa preta", de Amós Oz. A Narrativa dessa menina, Carola Saavedra, é cansativa e pouco envolvente, e o final do livro, que dizem ser surpreendente, eu chamaria de decepcionante.

    Winter, excelente texto, ótima análise.

    P.M

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