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20 de novembro de 2012

Clube da Crônica - Uma Velha Amiga: Carlos Rosa Moreira



            Lá vem ela. Vamos passar um pelo outro novamente. Vamos nos reconhecer, mas vamos fingir que não. De longe já sabemos que o outro vem vindo, e sentimos, talvez, a mesma expectativa desagradável de fingimento.

            Por que não nos falamos? Passou tanto tempo sem que nos encontrássemos... Disseram-me que ela havia se mudado para o norte com os pais. Qual não foi minha surpresa quando a vi nessas ruas, já mulher feita, mas com o mesmo brilho sapeca no olhar. Aí não nos falamos da primeira vez; e assim ficamos. Será o tempo que apaga tudo? Apaga até uma amizade?

          Lá vem ela. Vai haver aquele olhar de quem não olha, meio enviesado entre duas piscadelas. Depois continuaremos em nossas direções com a impressão enjoada de que um deveria ter falado com o outro.

            Lá vem. Está atravessando a Presidente Backer. Nos encontraremos em frente ao Banco do Brasil. Continua magra, espigada, bonita. É mais velha do que eu, mas parece tão jovem. O andar é igual ao de quase quarenta anos atrás. Andar de pernas compridas, mas de passos curtos e rapidinhos. Lembro-me dessas pernas dentro de uma minissaia quadriculada, lá naquela rua, nossa rua. Haja tempo...

            Lá vem ela. O mesmo olhar oblíquo para baixo, os mesmos braços cruzados sobre o peito. Vem ligeirinha e decidida, passará por mim agora...

            ‒ Oi, Emília!

            Assustei-a. Tirei-a de sua contemplação oblíqua, impedi-a de sentir a costumeira impressão enjoada ao passar por mim. O brilho sapeca me fitou. Fui recebido por um sorriso resplandecente, ainda levemente dentucinho. O mesmo de antes; sorriso rasgado e luminoso de olhos e boca.

            ‒ Oi, Carlos!

            ‒ Como eu desejava falar com você! Afinal, não é direito amigos de infância se cruzarem e não se cumprimentarem.

            ‒ Eu também sempre tive vontade de falar com você!

            ‒ Você continua bonita, Emília.

            ‒ E você não mudou nada. Tá bastante charmoso com esses cabelos grisalhos.

            ‒ Precisamos conversar, contar nossas histórias qualquer hora dessas.

            ‒ Ah, passe em minha loja, é aquela ali, tá vendo? Vamos conversar, não deixe de passar.

            ‒ Passarei, prometo.

            E com beijinhos e sorrisos nos despedimos, continuando, cada um, em sua direção. Ainda nos demos um “té logo” à distância, que foi como se firmássemos o prazer pelo encontro.

            Foi muito bom ter falado com a minha velha amiga. É uma amiga, guarda muitos olhares, sorrisos, conversas, imagens de um tempo singelo e feliz. É como uma foto rara. Não poderia deixá-la por aí.

7 comentários:

  1. O nome dela é Emília ou é Dília? Margô

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  2. Dília está na foto. A personagem chama-se Emília. Mas espero que a Dília fique para sempre minha amiga, e que em todo encontro haja abraços, beijos e sorrisos, passe o tempo que passe.
    Carlos.

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  3. E lá vem Rosa com mais uma lição de gastronomia do olhar, n'est-ce pas, monsieur? C'est de l'art de flanêrie!

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  4. Amigo Carlos,
    Um dia algum estudioso ainda vai desenvolver uma tese sobre o papel da aparência física em alguns de seus textos. As belas e as feias, as magras e as gordas, as jovens atléticas e as já pelancudas, os homens barrigudos, de membros flácidos... Interessante esse viés. Como se fosse uma estética da estética. Uma descrição que de fato nos ajuda a imaginar o personagem, onde o físico é indissociável da personalidade, um constrói o outro... Não sei explicar, mas achei fascinante essa característica em alguns textos. Ou seja, apesar de cirurgicamente econômico nas palavras - um dado magnífico do seu estilo - você consegue ser extremamente expressivo nesses textos com essas imagens do corpo/personalidade. Coisa de mestre. E nós, mortais, vamos aprendendo...
    Abs,
    Newton

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  5. Newton, obrigado pelo comentário. Vamos conversar sobre isso qualquer hora.
    Forte abraço.
    Carlos.

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  6. O que me interessou não foi aparência, imagem ou algo que remete só a visão, mas a descrição dos detalhes do conto.
    Lembrou-me amigos de outrora, talvez, pela crise que vivo dos quase quarenta anos de idade...rs
    Helene sabe o que me atrai, por isso indicou-me essa leitura.
    Muito bom, adorei.

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  7. Gostaria de fazer um comentário, embora diga de antemão que ele não tem a menor importância. É sobre essa questão de gêneros literários, coisa de somenos para o leitor, a não ser que ele seja crítico literário ou literato. Esta seção chama-se "Clube do Conto", mas aí em cima está uma típica crônica, um momento banal de duas vidas captado e descrito, poderia até ser uma foto. O gênero crônica, do qual tanto gosto e ao qual me dedico amiúde, é considerado por alguns como gênero "menor" (não me incluo entre esses e muitos literatos também não se incluem) seria, grosso modo, irmão pobre do conto. Como digo acima, isso não tem importância para o leitor, mas é preciso o escritor discernir entre um e outro, embora, às vezes, um possa se aproximar tanto do outro que se torna difícil distinguir o que é conto e o que é crônica. Agradeço muito os comentários, e, elogiosos ou não, são importantíssimos, pois são comentários de leitores frequentes, interessantes e sofisticados, ou seja, pessoas que curtem Literatura mesmo.
    Um grande abraço a todos.
    Carlos Rosa Moreira.

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