Hoje meu filho veio me ver. É meu filho único. Fazia tempo que não
vinha. Ele trabalha muito, viaja, nos fins de semana também precisa
fazer coisas. Mas se preocupa comigo, pergunta como estou, se preciso
de algo. Ele é muito prático. Fala rápido, discorre sobre
problemas que já não conheço bem e, quase sempre, cai numa
conversa animada com algum funcionário deste lugar. Depois vai
embora. Tudo muito rápido, prático. Às vezes, nem consigo pensar
numa resposta e ele já está falando sobre outro assunto ou
decidindo por mim.
Já não sou rápido, nem prático. Preciso descobrir do que falam
para poder responder, pois sou velho e o meu mundo é outro, mais
lento e menos rico. Talvez a minha cara velha me faça parecer meio
parado, com dificuldades para entender. Não tenho culpa de ter os
olhos baços, a pele sem brilho, as rugas profundas. Foi o tempo que
me botou essa máscara como se eu fosse um ator de teatro japonês.
Dentro de mim, luto para entender, para participar, fazer-me ligeiro.
Quero dizer coisas. Dentro de mim meus olhos ainda brilham. Mas ele
não espera, fica impaciente, muda de assunto como se dissesse: Papai
tá cada vez pior!
Não estou não. Só preciso de um pouco de tempo. Após a visita,
ele conversa com os funcionários. Dá uma gorjeta aqui, outra ali.
Sei que são solicitações e observações a meu respeito. Poderia
falar comigo! Então ele me beija, faz uma brincadeira e vai embora.
Os que trabalham aqui sorriem com pretensa simpatia. Quase os ouço
murmurarem: Ah... velho, velho...
Para falar a verdade, até gosto quando ele vai embora com aquele
jeito de quem cumpriu a missão. Aí espero o pessoal sair também, e
me volto para o meu filho. Tenho ele em diversas poses, em vários
lugares de nossa antiga casa. Lembro-me tanto... Parece que foi
ontem. Vivo cada um daqueles instantes como se fosse hoje. E me vejo
ainda forte e de cabelos pretos. Ele gosta muito de mim. Precisam ver
como pega meu rosto com a mãozinha rechonchuda e me olha com uma luz
que vem direto do coraçãozinho cheio de amor e admiração. Alisa
meu rosto, sorri e diz com a boquinha cheia de ar para saírem os
“pês”: Papai...
Gosto muito de vê-lo ao lado da bicicleta. Que emoção quando a ganhou! Tem aquela fantasiado de homem-aranha e a outra com a camisa do Flamengo. Adoro ver seus sorrisos e olhares, tão transparentes, tão cheios de admiração por mim.
Tem dias que passo inteirinhos pensando nele. Naquele garotinho que
não existe mais. Saudade... Acho que ter filhos é jamais deixar de
sentir saudade.
Nãããããõoooo... isso deve ser pegadinha! Está faltando a parte II!
ResponderExcluirEu gostei do conto. Traz um sentimento estranho, mas que precisamos refletir e conhecer. A vida tem cenários fortes, à vezes, nós os participantes não entendemos bem as razões de vivenciarmos certas cenas, mas a experimentamos intensamente. Trouxe um pouco de nostalgia e um questionamento: o que poderia ser feito para que o cenário fosse diferente?
ResponderExcluirAntagonismo, corações pulsantes, vida intensa. Amei! Parabéns!
Grade abraço!
Sonia Salim
Parabéns Carlos, mais um dos seus belos contos. Humano, sensível e escrito com sua competência costumeira. Um forte abraço!
ResponderExcluirSonia Salim, obrigado pelo gentil comentário. Mas o que seria um cenário diferente?
ResponderExcluirNewton, Mr.Epa dessa vez se deu mal. Nem sombra de repugnância. Obrigado pelo comentário.
Carlos, seu texto é maravilhosamente humano.Emocionou-me, de verdade.Fez-me refletir ainda mais sobre o tema:respeito e amor ao idoso. ALGUNS JOVENS, sentem-se donos do mundo...a maioria, na verdade.Esquecem-se de que um dia pedirão respeito e atenção. Creio que ele deveria constar nas antologias escolares e em revistas sociais. Vou divulgá-lo no Face.Posso?
ResponderExcluirAbraços da admiradora,
Elô
Mas é claro que pode, Elô, nem precisa perguntar. Obrigado pelo comentário. Um abração.
ResponderExcluirCarlos.