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11 de abril de 2022

Além das minhas forças e responsabilidades



Yann Arthus-Bertrand captures fragile Earth in wide-angle



Recentemente a Unesco cedeu ao Rio de Janeiro o título de Patrimônio Mundial da Humanidade, na categoria Paisagem cultural. Foi a primeira vez que uma paisagem urbana foi escolhida para se transformar em patrimônio. Notícia que dá orgulho ao povo carioca. O Rio é, de fato, uma Cidade Maravilhosa, abençoada por um relevo de montanhas e belas praias. Bonito por natureza! É, mas quem mora aqui sabe que viver no Rio não é assim tão maravilha. A qualidade dos serviços públicos deixa muito a desejar (ensino, saúde, segurança, transporte, limpeza e planejamento urbano. Só para citar alguns.). Um problema, aliás, que afeta todo o país. Sendo atividades prestadas pelo Estado à sociedade é nosso direito (e dever como cidadãos) fiscalizar, cobrar e, mais importante, ter na memória o que o Estado faz de bom e ruim. Ponderar, comparar com outros governos e, nas eleições, não se isentar em escolher direitinho a quem dar poder de decisão e quem deixar bem longe deste papel. Afinal é nossa qualidade de vida que está em jogo. Mas existe algo a mais que podemos fazer? Sem deslocar o foco de responsabilidade do Estado para o indivíduo: o problema é só o serviço público de baixa qualidade?

Quantos são os autores e compositores que eternizaram o Rio de Janeiro em suas obras? Machado de Assis, José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo, Manuel Bandeira, Vinícius de Moraes,... São tantos! E como é bom ler e ouvir sobre nossa cidade. Uma viagem no tempo! Mas, ler deveria ser muito mais que uma intrusão no texto, um desfrute de prazeres e sensações de terceiros. Como sugere Ana Maria Machado em seu livro "Infâmia", o leitor deve ser capaz de não se excluir do real ao ser intruso no fictício. Sendo assim, como cidadãos leitores de nossa cidade, temos duas escolhas, sermos somente intrusos, desfrutando das belezas naturais e reclamando das mazelas urbanas, delegando-as ao poder público, ou leitores que não fogem de suas parcelas de responsabilidade, que exercem suas cidadanias.

Se nossa cidade fosse um livro, como a leríamos? Se eu lesse as grandes festas populares, como a Virada do Ano e o Carnaval, leria, além da beleza da música, da alegria do povo, pessoas mijando em espaços públicos: na areia da praia, nas árvores, nas paredes de prédios. Leria uma cidade que fede. E muito! Se eu lesse o trânsito leria motoristas impacientes, estressados, com pouca noção de direção defensiva, andando alcoolizados, colados ao veículo à frente, lançando farol alto para forçar a liberação de pista, acelerando ao ver um veículo que dá sinal de mudança de faixa, bloqueando cruzamentos, desrespeitando à sinalização. Leria motoristas subornando policiais de trânsito. Se em minhas leituras percorresse as ruas, leria muito lixo. Pessoas deixando seu lixo por onde passam (no banco de espera de um ponto de ônibus, pelas calçadas, pelas janelas de ônibus, carros, caminhões). Lixos residenciais, resto de entulho ou poda de árvore  em terrenos baldios (Bastaria chamar o serviço de coleta público gratuito, mas jogar no terreno baldio da esquina, ou no rio é mais rápido!).

Será que eles vieram de nós mesmos?


Qual impacto temos sobre o ambiente urbano? Estamos orgulhosos de nosso papel? É urgente repensar a relação do cidadão com sua cidade. Talvez neste sentido faltem campanhas educacionais promovidas por orgãos governamentais, mas falta algo ainda mais básico. Falta educação, um conceito muito mais amplo que educação escolar. Que vai além da responsabilidade da política pública e de sistema educacionais formais. Falta aquela educação que se aprende em casa. Uma geração inteira de famílias parece ter se isentado deste papel. Pais isentos ou permissivos que não souberam educar seus filhos, e criaram uma geração de homens e mulheres pouco cientes de seu papel social e da importância de ser um cidadão. Parece que o indivíduo preza tanto a liberdade, a segurança dos seus direitos em questões privadas que esquece seus deveres. Falta educação na mídia, na sociedade, para servir de exemplo ao jovem e ao adulto que não aprendeu. Não aprendeu que o seu direito é também o direito de todos.


Ser cidadão é ser um sujeito crítico, é desenvolver atitudes de solidariedade, aprender a dizer não ao que é imposto pela mídia, é adotar uma postura, é fazer escolhas, é despertar para as consciências dos direitos e deveres, lutar pela justiça, valorizar a pessoa humana, a dignidade necessária para todos.

Ah, quem dera se não soasse, inocência, utopia,  pieguice, hipocrisia ou tom professoral. Quem dera se alguém visse um apelo, um convite a fazer melhor em um espaço de construção compartilhado. Por que a função de um Clube de Leitura, também é estimular bons leitores. Através de mudanças de atitudes individuais, podemos servir de exemplo a nossos filhos, amigos,... a um estranho que nota. Eu acredito.





"Cidadania não é uma lição a ser ensinada. É uma postura que precisa ser estimulada. Postura essa que possa fazer nascer em cada um, o sentimento do que é viver em prol do bem-comum. O conceito se refere sim a direitos e deveres civis e políticos, mas não podemos nos esquecer de que é necessário que esses direitos sejam pensados por meio de valores éticos. É necessário conjugar cidadania com diversidade, justiça, dignidade." (educação pública)





Um comentário:

  1. Se aqui fosse o face eu clicaria em CURTIR. Acredito também. "Depende de nós..."

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