NOVO: Dia 17 de Dezembro teremos a premiação da edição de 2012 do Prêmio UFF de Literatura. Assim como no ano passado, neste ano temos três participantes do nosso clube de leitura entre os finalistas: Rita Magnago (Crônica), Benites e novaes/ (Conto). É torcer e comemorar!!!
(Vencedor do Prêmio UFF de Literatura 2011 - Conto)
Tudo
bem que adolescentes são estranhos. Está certo que os hormônios
põem-se
a trabalhar, a atrapalhar a ordem até então estabelecida; ok que os
púberes rejeitem a infância e almejem a maturidade e, ainda, que
confundam sua ansiedade por tomar decisões com a capacidade real de
tomá-las. Está tudo muito bem, mas não há como negar que são
seres estranhos esses, apenas não tão estranhos para nós porque já
o fomos um dia e sabemos como é sê-lo, ou pelo menos deveríamos
sabê-lo.
Apesar
disso tudo, houve
um susto. Jantávamos em família, a mesa como nosso teatro diário
de conversas, dramas e comédias, mas também de ajustes e
enfrentamentos. Eis que nosso filho de dezesseis anos – dezesseis
anos e meio!, ele sempre enfatiza – anuncia que quer ir à Itália.
Que lindo, disse sua mãe, sem perceber aquilo que logo pressenti no
tom de voz do garoto: não era um
dia,
era agora. Você vai adorar a Itália, continuou perigosamente a mãe.
Posso ir semana que vem..., lascou de chofre, com o abuso
característico da idade, fazendo a mãe engasgar com as palavras que
havia dito ainda na boca.
O
jantar e o assunto foram mal digeridos. Usamos nós, os adultos,
todos os argumentos de praxe, e os seus estudos, o que você vai
fazer sozinho na Itália, não é assim que a banda toca, de uma hora
para outra sair pelo mundo, com que dinheiro, você não pode fazer o
que quer ainda, não com apenas dezesseis anos, tá legal, e meio,
nem vão te deixar lá assim, vão pensar que você pretende imigrar,
vai ser mais um despreparado nas ruas, vai ser camelô, vai
perambular, dormir onde, comer
o quê.
Fechou
a cara e emigrou
da mesa de jantar como se fosse um país em ruínas, não as
históricas, mas as atuais, dolorosas, desprovidas de qualquer
encanto. Minha até então aliada e ainda esposa virou-se contra mim.
Pronto, ficou aborrecido, aborreceu-se ela. É um ditadorzinho, eu
disse, é o nosso Pequeno César. Viu, você que quis botar esse
nome: César, o imperador, agora o menino quer ir pra Itália, tem
sonhos megalômanos aos dezesseis anos!, concluiu minha mulher com
sua lógica irretorquível. Vi logo onde ia dar: era tudo culpa
minha, só faltava dizer que era porque me chamo Ítalo, e daí o
garoto ficou com essa referência desde a tenra idade, e agora virou
uma fixação, o Pequeno César quer atravessar oceanos e mares e
tornar-se Ítalo.
Durante
uma conversa com o menino, notei
que a coisa era séria. Tentei jogá-lo aos leões, impor minha força
de pai, mas o garoto postou-se como um gladiador destemido, usou como
escudo seu legítimo direito a viver e como lança afiada a culpa que
me caberia caso se tornasse um adulto frustrado, um velho carcomido
por tudo que deixou de fazer nesta vida. Com o agravante de que
ninguém sabe o dia de amanhã, e se ele sofresse um acidente grave,
e se adoecesse, e se não tivesse outra chance de viver. Não, minhas
culpas já me torturam o suficiente, combinamos que nas férias de
julho, verão na Europa, ele viajaria à Itália.
Meu
filho, o Pequeno César, não queria mais ser pequeno, entendi. Onde
mais tanta História, tanta cultura; onde mais tantos grandes.
Meu garoto queria ser grande. Passou os meses seguintes, antes da
viagem, numa incursão introspectiva, absolutamente íntima,
apaixonada, a tudo que fosse italiano, treinava palavras, pesquisava
mapas, cidades. Queria entrar no clima, pediu à mãe que fizesse em
casa todos os pratos típicos daquela culinária. Mais tarde poderia
comparar os sabores, temperos e o fazer, lá na origem; seria uma
experiência legal.
Vi
com surpresa essa sua viagem gastronômica preparatória. César não
comia aqueles pratos, ele mergulhava, sentia, enroscava-se. Caminhava
pelos fetutines e talharins como se fossem finas estradas
rumo ao êxtase; surfava no ravióli ondas infinitas; alucinado,
entrava em parafuso com o fusili. Como um aloprado, era quase obsceno
quando se relacionava com a carne delicada, fina e apetitosa do
carpaccio.
Mas espantei-me mesmo quando vi meu filho, meu garoto, agarrar-se aos
fios do espaguete como se buscasse, com ânsia, emaranhar-se, alma,
coração e impulsos, naquele aroma instigante, naquele roliço e
escorregadio labirinto. E, sim, definitivamente aturdi quando o vi
emergir do molho de tomate vermelho de paixão.
Obviamente
cometi um erro, constatei.
Aquela volúpia não era apenas o apetite voraz de um adolescente, ou
a admiração pela Itália, por mais que ela mereça. Algo de
estranho acontecia com meu estranho filho. Aquilo era amor, paixão
carnal, sonho de afeto, quimera sexual. E isso num garoto de
dezesseis anos... tem proporções colossais para sua alma, é como
um Vesúvio incandescente a petrificar seu pensamento.
Meu
filho, abordei-o com cuidado, interrompendo-o
numa noite em seu quarto, me diga o que te faz querer tanto ir para a
Itália, por que tem que ser agora. Estou apaixonado, disse, deixando
de lado o computador, como se eu já não esperasse. Quem é essa
moça, perguntei delicado. É italiana, parece brasileira, morena,
linda. Mas... como você a conheceu, continuei meu carinhoso
inquérito. Na internet. Na internet... repeti como um robô
abobalhado, aquilo era demais – ou, na verdade, de menos! – para
meus circuitos cerebrais antigos, meus padrões socioamorosos
ultrapassados, o que houve com o amor de carne e osso, por que será
que “ao vivo” virou apenas uma legenda na tevê, um selo digital,
mamma
mia...
Percebendo
minha paternidade atrapalhada, inábil com a modernidade, César
voltou-se para o micro e pôs para tocar Zeca Baleiro: “Eu
me flagrei pensando em você / Em tudo que eu queria te dizer / Em
uma noite especialmente boa / Não há nada mais que a gente possa
fazer / Eu vou fazer de tudo que eu puder / Eu vou roubar essa mulher
pra mim...
Se
não eu, quem vai fazer você feliz?...”
Entendi
o recado. Meu garoto queria tornar real o virtual, apalpar os bites,
transformar circuitos em veias, mensagens em sangue, corações <3
em abraços suados e carinhas : ) em sorrisos olhos-nos-olhos,
conhecer a moça, falar, ouvir, tocar, sentir o cheiro que no micro
inexiste, com a certeza dos apaixonados de que será correspondido,
esplêndido, é impossível que não o seja. O mundo é dos amantes,
pensei. Nem que seja por um dia, um mês, um ano, mas que seja como
Vinicius de Moraes, eterno
enquanto dure.
Não posso tirar isso do meu filho, na verdade até invejo, deve ser
por essa vida pulsante naquela pequena conversa entre pai e filho que
uma lágrima desceu de nossos olhos, foram dois filetes irmãos,
gêmeos do mesmo desvelo, como se o adolescente de hoje e o de ontem
tivessem se encontrado ali, em sintonia para além das épocas e das
gerações, como contemporâneos dos mesmos sonhos, desejos e
aflições.
Naquela
noite, entrei em meu quarto sob o impacto da juventude, desfraldei
bandeiras, reivindicações e campanhas, conquistei minha mulher para
as minhas causas amorosas e juntos fizemos todas as revoluções
possíveis entre quatro paredes. Espalhamos generosidade sobre o
mundo, como só os jovens sabem fazer. Após o cigarro que não
fumamos e o ressonar, este sim, inevitável, dei a notícia a meu
modo: seu filho vai pôr fogo em Roma. Ri de seu espanto. Expliquei
que havia um fogo no Pequeno César, maior que todo o império romano
de outrora, uma paixão irrepresável, uma loucura maior que a de
Nero, sobre a qual nada podíamos fazer. Vi que era perturbador para
a mãe saber de seu filho tão perdidamente apaixonado... por outra!
Tentou minimizar, coisas de adolescente, ela disse. Coisas do
coração, respondi desafiadoramente, enquanto pensava nas coisas de
Freud. Para mostrar que fiz o dever de casa paterno, joguei as
escassas informações que colhi como se fossem profundas: o pai da
moça se chama Paolo, nasceu em Veneza, mas mudou-se para Roma. Ah...
tranquilizou-se como se um véu cobrisse seu olhar perante o corpo
desnudo.
No
dia da tão esperada viagem à Itália, a mãe,
econômica em palavras, serviu para César um risotto
nero,
talvez numa mensagem cifrada sobre a loucura que o filho estaria
cometendo, interpretei. Disse ao filho que pesquisou a receita na
internet, nada mais. Mas para o garoto o futuro não era negro, nem
louco, nem um pouco estranho, era apenas e tão somente o inevitável
a guiar seus passos, como se as artérias do coração fossem ruas a
serem percorridas e levassem aos destinos da própria alma, do
próprio ser, como se negar isso fosse contrariar Deus ou, mais
grave, fosse um desvio imperdoável à missão da primeira molécula,
da célula pioneira que se multiplicou no planeta e a partir da qual
toda a vida formara-se desde então.
Mande
um abraço nosso para ela, filho, eu
disse no aeroporto. Como é mesmo o nome dela, perguntei; Druuna, ele
respondeu. Criada por Paolo Eleuteri Serpieri, completou já se
apressando em direção à sala de embarque.
Criada...,
estranhei.
Foi
chegar em casa, ligar
o computador e procurar por Druuna Serpieri. Achei no Google:
Quadrinhos
Eróticos – Druuna – A personagem sensual de Paolo Serpieri, um
dos maiores artistas do gênero.
Até
hoje não sei como
contar à mãe do meu filho.
Fiquei muito feliz com a premiação do Newton, que foi sem dúvida um sujeito que chegou ocupando o seu espaço no Clube e conquistando o respeito e o carinho de todos, e ainda tem esse talento todo para nos proporcionar essa grande alegria. Gostaria de lembrar que devemos a Rita essa agradável surpresa em 2011, a de ter trazido o Newton ao Clube. E dela posso falar tudo o que falei do Newton, realmente um casal amigo e do bem que veio para valorizar mais ainda nosso Clube. Parabéns, amigos!
ResponderExcluirAntonio, você é muito generoso. Nós é que agradecemos a todo o clube pelo apoio, incentivo e inspiração. Veja fotos e mais detalhes no meu blog http://ritamagnago.blogspot.com/2011/12/gato-rouba-cena-no-teatro-municipal.html.
ResponderExcluirNewton (NOVAES/)-->achei o seu conto fantástico. E olha, meu amigo, não digo isso porque você venceu. Você foi muito criativo mesmo. Muito divertido quando atrelou as comidas italianas ao comportamento do filho. E surpreendeu o leitor no final, com o fato de a paixão do filho ser um personagem de estórias em quadrinhos de um famoso artista italiano. Simplesmente sensacional. Achei gostoso demais ler seu conto. NOTA MIL COM LOUVOR PARA VOCÊ. Endosso tudo que o amigo Antonio falou do casal no nosso Clube de Leitura Icaraí.
ResponderExcluirBeijo da fã ........ Angela Ellias.
Novaes, sem querer fazer eco, vc é demais!
ResponderExcluirSeu conto, pode-se dizer, perfeito. As figuras , vocábulos usados transmitem perfeitamente os exageros que costumamos atribuir aos italianos, o sangue fervente!Os pratos em que o rapaz mergulha , seu amor pela pesquisa da cultura italiana foram perfeitamente retratados pela linguagem usada, pelos exageros... E você ainda consegue encerrar de forma inesperada como os bons contos costumam fazer.Seu conto é digno de um Alcântara Machado. Surpreende! Admiração da amiga,
ELõ
Grande Newton, o conto é dos bons mesmo! Espero que dedique mais tempo à produção literária amigo. Tudo de bom neste Ano Novo para vc, Rita e amigos.
ResponderExcluirSérgio Ricardo
Mas o que danado restou para eu falar de seu conto Newton, só que é maravilhoso mesmo e foi mais do que merecido o premio, principalmente porque o meu pequeno-grande infante de 19 está completamente apaixanado (por alguém de carne e osso) e com 3 ou 4 meses de namoro chegou para mim e disse que queria abrir uma conta conjunta, pode? não é de enlouquecer?
ResponderExcluirRi bastante ao final, Newton. Adorei! Já sabia de sua premiação, quando eu retornei ao Clube, mas ainda não tinha lido o seu conto. São contos que a gente gostaria de ter escrito.
ResponderExcluirFiquei aqui pensando que eu iria participar do concurso de 2011. Vinha com uma ideia de história desde que divulgaram o tema, mas só resolvi escrever na véspera do prazo final. A história fluía e quando vi ela já estava com quase 4 páginas (o limite) e eu tinha certeza que faltava muito mais que uma página para que eu fechasse o conto. Quando chegou ao final da quarta página, por mais que eu quisesse diminuir parágrafos, percebi que realmente não conseguiria concluir o conto e deixá-lo com quatro páginas. Desisti e não me inscrevi. Aliás, o texto ainda está incompleto...rss.. Agora, olha as coincidências (e pode perguntar ao Benito, que ele vai confirmar), meu conto partia, como o seu conto, para incluir a Itália, num romance ocorrido na internet. Se eu tivesse conseguido chegar entre os finalistas, os membros do júri iriam se surpreender e achar que havíamos conversado antes, já que ambos somos do Clube de Leitura, embora na época eu estivesse um pouco afastado. Qualquer dia eu tomo coragem e retomo o conto e o termino, ainda mais que agora não terá mais a obrigatoriedade de deixá-lo com quatro páginas...rsss
Abraço
É isso aí, Benites, termine sim o conto! E publique aqui no Blog do CLIc. Fiquei curioso. Esse negócio de romance pela internet é sempre interessante. Em 2011 você acabou não concorrendo, mas este ano está lá, né? Acho que o "caneco" este ano vai ser seu, hein... Vamos torcer! Obrigado pela leitura e os comentários. Um forte abraço!
ResponderExcluirNovaes, seu conto é estupendo!!!
ResponderExcluirAbraços!
Sonia Salim